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É o fim das diferenças de gênero? MTV faz premiação para afirmar que sim

Emma Watson recebe de Asia Kate Dillon o prêmio por melhor atuação no MTV Movie Awards 2017  - Mario Anzuoni/Reuters
Emma Watson recebe de Asia Kate Dillon o prêmio por melhor atuação no MTV Movie Awards 2017 Imagem: Mario Anzuoni/Reuters

Natália Guaratto

Do UOL, em São Paulo

08/05/2017 15h39

Pouco importa que “A Bela e a Fera” tenha sido escolhido o melhor filme ou que “Stranger Things” seja a melhor série. A edição 2017 do MTV Movie Awards, celebrada no último domingo (7), foi mais um ato em prol do fim da distinção de gêneros do que um evento de entretenimento.

O discurso mais impactante da noite foi dado por Emma Watson. Ao levar o prêmio de melhor atuação da noite, a atriz e ativista feminista usou o microfone para exaltar a decisão da MTV de colocar homens e mulheres, pela primeira vez em uma premiação, para concorrerem juntos. Watson superou Daniel Kaluuya (“Corra!”), Haille Steinfield (“Quase 18”), Hugh Jackman (“Logan”), James McAvoy (“Fragmentado”) e Taraji P. Henson (“Estrelas Alem do Tempo”).

“O primeiro prêmio de atuação da história que não separa os indicados com base em seus sexos diz alguma coisa sobre o modo como nós percebemos a experiência humana”, começou Watson, enquanto a câmera focava na modelo e youtuber transgênero Gigi Gorgeous.

Asia Kate Dillon - Alberto E. Rodriguez/GettyImages/AFP - Alberto E. Rodriguez/GettyImages/AFP
Asia Kate Dillon, de "Billions", primeira pessoa não-binária a interpretar um personagem sem identidade de gênero na TV americana
Imagem: Alberto E. Rodriguez/GettyImages/AFP

“A decisão da MTV de criar um prêmio sem gênero para atuação vai ter um significado diferente para cada um. Para mim, isso indica que atuar depende de sua habilidade de se colocar no lugar de outra pessoa, e que não precisa ser separado em duas categorias. Empatia e a habilidade de utilizar sua imaginação não deveria ter limites”, disse atriz, que recebeu o troféu das mãos de Asia Katie Dillon, estrela da série “Billions” e que é não-binária, ou seja, não se identifica nem com gênero feminino nem com o masculino.

“Os termos homem e mulher, assim como preto ou branco, foram criados para nos separar. Sem os binários, nós somos apenas nós mesmos, o que nos faz ser igual”, disse Dillon em entrevista à revista “People” dias antes do MTV Movie Awards. Em “Billions”, Dillon interpreta Taylor Mason, gênio das finanças e também o primeiro personagem não-binário da TV americana. “O mais brilhante é que a série não usa isso como uma questão. Taylor tem muito mais valor do que apenas identidade de gênero”.

Um prêmio para os desajustados

O tom revolucionário das falas de Watson e Dillon ecoou em outros momentos da premiação, como quando a jovem Millie Bobby Brown subiu ao palco para aceitar o prêmio de melhor atuação em série pelo papel de Eleven, de “Stranger Things”.

Aos 13 anos, ela agradeceu aos irmãos Duffer, criadores da atração da Netflix, por terem criado uma “personagem feminina durona”, algo que em 2017 não deveria ser nenhuma surpresa, mas que só tem sido possível graças ao engajamento de atrizes de Hollywood na luta feminista. Seja reivindicando salários iguais aos dos homens, como já fizeram Jennifer Lawrence e Meryl Streep, seja indo para trás das câmeras com o objetivo de garantir que histórias mais diversificadas cheguem ao público. Selena Gomez, Charlize Theron, Reese Whisterpoon e Angelina Jolie são algumas das atrizes que recentemente enveredaram para o caminho da produção.

A própria história de Bobby Brown com Eleven corrobora isso. A atriz inicialmente resistiu a raspar os cabelos para a personagem e só aceitou a mudança depois que os criadores a incentivaram a se inspirar em Furiosa, personagem de Charlize Theron em “Mad Max: Estrada da Fúria”. O filme e o agradecimento de Bobby Brown resumem a ideia disseminada por quem defende maior presença feminina na mídia: “Se ela pode ver, ela pode ser”. Não é à toa que desde 2015, quando “Mad Max” estreou, várias franquias passaram a apostar em heroínas como protagonistas: De “Star Wars” a “Jessica Jones”, elas estão em todos os lugares.

Millie Bobby Brown - Mario Anzuoni/Reuters  - Mario Anzuoni/Reuters
Millie Bobby Brown se emociona ao receber prêmio de melhor atuação em série por "Stranger Things"
Imagem: Mario Anzuoni/Reuters
Mais interessante ainda foi ver a categoria melhor herói, na qual concorriam personagens com poderes sobrenaturais como The Flash  e Luke Cage, vencida por Taraji P. Henson por sua atuação como uma heroína real, a cientista Katherine G. Johnson de “Estrelas Além do Tempo”.

O filme mostra como uma equipe de mulheres negras foi fundamental para que os Estados Unidos conseguissem o avanço tecnológico necessário para mandar o primeiro americano ao espaço, nos anos 1960. O longa também foi premiado como melhor luta contra o sistema, categoria que existiu nos anos anteriores apenas como “melhor luta” e que foi atualizada, de acordo com comunicado enviado pela MTV à imprensa, para “refletir o lado ativista da audiência que cada vez mais está engajada em temas sociais”.

Outro acerto foi colocar filmes e séries para concorrerem juntos em alguns prêmios, já que graças aos serviços de streaming e seus orçamentos grandiosos as duas linguagens estão cada vez mais próximas, e há inclusive quem diga que as séries são o novo cinema. Trata-se de uma bem-vinda inovação, que vai além dos aspectos técnicos normalmente analisados em premiações mais conservadoras como Oscar e o Emmy.  

Em plena era Trump, o MTV Movie Awards cometeu ainda a ousadia de criar uma categoria chamada melhor história americana, que premia produções que se debruçam sobre diversidade e celebram a “América mais aberta”. “Black-ish”, série de comédia que satiriza o racismo nos Estados Unidos, foi a vencedora. A noite teve ainda a vitória de Ashton Sanders e Jharrel Jerome como melhor beijo pelo romance gay e ganhador do Oscar de 2017, “Moonlight: Sob a Luz do Luar”.  

“Esse prêmio é maior que Jharrel e eu. Ele representa muito mais que um beijo. É para aqueles que se sentem ‘os outros’, os desajustados, isso nos representa”, disse Sanders. Jharrel resumiu a mensagem da noite, dizendo ser “ok” para atores jovens e representantes de minorias “pisar fora da caixa”. “Faremos o que tivermos que fazer para promover uma mudança”, concluiu. O mundo está ansioso para ver.

Jharel Jerome e Ashton Sanders - Jean-Baptiste Lacroix/AFP  - Jean-Baptiste Lacroix/AFP
Os atores Jharel Jerome e Ashton Sanders posam após ganhar o prêmio de melhor beijo no MTV Movie Awards
Imagem: Jean-Baptiste Lacroix/AFP