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Da periferia de BH, rapper de 17 anos estreia como atriz em Cannes

"Nada", de Gabriel Martins, integra a programação do Festival de Cannes 2017 - Divulgação
"Nada", de Gabriel Martins, integra a programação do Festival de Cannes 2017
Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

10/05/2017 11h42

É com pompa e circunstância que uma rapper brasileira fará sua estreia internacional no Festival de Cannes 2017, que começa na próxima semana. Com apenas 17 anos, MC Clara Lima é a protagonista do curta-metragem "Nada", destaque na Quinzena dos Realizadores, uma das principais mostras paralelas do festival, que este ano traz poucos representantes brasileiros.

A notícia vinda do litoral francês chegou por WhatsApp no celular que mal funcionava, entre o corre da gravação do primeiro disco e encontros com coletivos de hip-hop em Belo Horizonte, onde vive. Acostumado com a marcação das batidas da música, o coração disparou. “Pô, estreia nas telinhas lá na França, cê é louco!”, disse Clara ao UOL por telefone. “O rap vai estar lá em Cannes” -- mais precisamente ao lado dos novos trabalhos de cineastas festejados, como Amos Gitai e Abel Ferrara.

MC Clara Lima em apresentação em BH - Divulgação - Divulgação
MC Clara Lima em apresentação em BH
Imagem: Divulgação

Em "Nada", Clara dá vida a Bia, uma estudante que está prestes a se formar no Ensino Médio. Em uma conversa sobre graduação, a professora pergunta aos alunos o que eles pretendem estudar no futuro. Bia está convicta: “Nada”.

“É uma personagem entrando na vida adulta de uma forma contrária ao que a sociedade espera dela”, explica o diretor mineiro Gabriel Martins.

Com o roteiro contemplado pelo Curta Afirmativo, edital de audiovisual voltado para realizadores negros, o cineasta logo pensou naquela garota que ele acompanhava à distância como uma das principais promessas do rap na capital mineira.

A postura de quem já encara a vida de frente com rimas sobre os próprios sonhos e a dificuldade em alcançá-los foi determinante para o convite, feito na coxia de uma batalha de rima.

“Ela tinha uma coisa nos palcos bem específica, de ter a manha do improviso. Fiquei curioso como ela poderia usar isso para o cinema”, conta Gabriel. O risco, no fim, valeu a pena. “Ela é a alma do filme”.

Cena de "Nada" - Divulgação - Divulgação
Cena de "Nada"
Imagem: Divulgação

Vida de batalhas

Nascida e criada no bairro periférico de Ribeiro de Abreu, Clara foi fisgada pelo rap desde cedo por vídeos no YouTube. Na primeira oportunidade, ainda aos 15, correu para as batalhas da liga feminina de MC’s para, como conta, “fazer uma comunicação com as minas”. Em pouco tempo, chegou à final do Duelo Nacional de MC's, integrou o grupo Dv Tribo e brilhou no projeto Poetas no Topo.

A única experiência em atuação ficara no passado, quando criança, em algumas apresentações no altar da igreja que frequentava. Não demorou, porém, para que percebesse no set que aquela aventura guardava familiaridade com sua vida de MC. “É uma parada que eu comecei a gostar. Foi um bagulho que exercitou minha mente, assim como a batalha fazia”, revela.

Naturalmente, sua destreza nas rimas também foi emprestada para a personagem, que escreve e canta em cena. “Na verdade, eu me surpreendi. Achava que a Clara não tinha algo em comum com a personagem. No filme, eu entendi que ela tinha as mesmas dúvidas também”, observa o diretor.

Após uma semana de filmagens, Clara também percebeu a semelhança. “É uma personagem que é bem eu mesma.”

“Sempre tive na cabeça o rap como profissão. Eu gosto muito de passar a mensagem de como chegar lá", observa, sem deixar de confessar, assim como sua personagem: "Agora sobre vestibular, eu não sei mesmo se eu quero fazer”.