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Sangue, suor e corrupção transformam "O Rastro" em terror tropical político

Leandra Leal - Divulgação - Divulgação
A atriz Leandra Leal em cena de "O Rastro"
Imagem: Divulgação

Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

18/05/2017 04h00

Os produtores gringos viram e acharam que aquilo era recurso de ficção. Como um hospital usa ventiladores e não um sistema de ar condicionado? Mas o cenário pano de fundo do terror nacional "O Rastro", que estreia nesta quinta-feira (18), é uma pequena parte da realidade bem mais complexa do sistema de saúde público do Rio de Janeiro.

O filme, que surgiu da ideia de colocar "Leandra Leal deitada em uma poça de sangue", acabou ganhando novos contornos durante os oito anos que levou para sair do papel. A ideia inicial era filmar em uma casa abandonada no interior de Minas Gerais, mas o terror se nacionalizou justamente depois de vários laboratórios internacionais, que fizeram nascer a ideia de terror tropical político.

Para não perder suas referências clássicas, como os filmes de Stanley Kubrick (principalmente "O Iluminado") e M. Night Shyamalan, o diretor J. C. Feyer apostou na fotografia fria para "fugir da paleta colorida do Brasil" e no som alto em momentos tensos. "O som é 40% do sucesso de um filme de terror", acredita. 

Já o suor surge praticamente em dupla com o sangue, quase um personagem extra de qualquer terror que se preze, e dá a cara da realidade do Brasil ao filme. "A ideia era incomodar visualmente com o suor. Não tínhamos muito recurso para a fotografia então nos aproveitamos disso. As pessoas suando e morrendo nos hospitais. Junta o terror psicológico com o sistema de saúde e temos um terror monstro", explica o diretor.

Trama médica e política

Quem também reforça a alcunha de terror tropical político é uma das protagonistas, Leandra Leal. "O filme se apropria de uma realidade que por si só já é um terror", explica a atriz. Ela é Leila, mulher de João, o médico responsável por realizar a transferência dos últimos pacientes de um hospital no Rio atolado em dívidas e problemas de infraestrutura, que mais para frente se revelam muito mais profundos. A partir daí temas ligados ao poder e à corrupção começam a ganhar força e dão a cara da realidade ao terror com uma pitada de sobrenatural.

Com a premissa do sumiço de uma das pacientes durante a transferência, o outro protagonista, interpretado por Rafael Cardoso, começa uma verdadeira saga atrás da menina Júlia. Afundado em sua própria paranoia, o médico descobre mais do que deveria. Em sua viagem real e psicológica, acaba levando junto Leila, sua mulher que está grávida do primeiro filho do casal. "Confesso que fiquei receosa com o roteiro. É um pouco 'Game of Thrones', mas como espectadora me agradou", diz Leandra.

Com um roteiro que capricha nas viradas --outra jogada clássica dos filmes de terror-- ganham espaço também os personagens de Jonas Bloch, o médico Heitor, mentor de João e padrinho de casamento dele e de Leila, e a médica chefe da UTI Olívia, papel de Claudia Abreu. 

Terror nacional vende ingresso?

"O Rastro" chega aos cinemas nesta quinta-feira (18) com a missão de convencer o público a pagar ingresso para ver um filme de terror nacional. "Dados mostram que são 12 mil pagantes contra 750 mil pagantes de filme internacional. É um desafio fazer bilheteria. Os brasileiros gostam de filme de terror, mas não filme de terror nacional", observa o diretor J.C. Feyer.

Para o protagonista Rafael Cardoso o filme tem condições de mudar a visão do público sobre as produções nacionais do gênero. "Ainda tem uma imagem muito forte dos filmes de Zé do Caixão. Estamos em outro momento e temos condições de fazer qualquer tipo de cinema e deixar ele mais plural", acredita o ator de 31 anos.

A produtora Malu Miranda relembra o início do projeto, em 2009, junto com a comédia "Mato Sem Cachorro", que chegou aos cinemas em 2013, quase quatro anos antes de "O Rastro". "Tinha dois filmes ao mesmo tempo, uma comédia e um terror, e vi um arrecadar o dobro do dinheiro em menos da metade do tempo. As empresas querem passar uma imagem boa, feliz. Foi muito difícil."

A ideia de usar um hospital abandonado real como locação (Beneficência Portuguesa, no Rio de Janeiro) diminuiu muito os custos de produção. A iluminação mais escura e fria também gerou uma boa economia. Nenhum refletor foi usado. O diretor de fotografia abusou de luzes do próprio cenário, pequenos leds e luzes de postes e de celulares.

Além da estreia no Brasil, "O Rastro" também vai ser exibido em cinemas nos Estados Unidos. Seguindo a fórmula terror tropical político, a equipe agora trabalha para vender o filme ao resto do mundo no Festival de Cannes, que vai até 28 de maio.