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Longa egípcio traz líder islâmico que acha que é Michael Jackson

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes (França)

27/05/2017 09h25

Enquanto as telas de Cannes exibem um cinema em geral mais artístico, nos bastidores são negociadas produções das mais variadas vertentes. No salão dos agentes de venda (que fazem a ponte entre produtores e distribuidores), vê-se todo tipo de filme, mas entre melodramas latinos de qualidade discutível e obscuros musicais de Bollywood (a Hollywood da Índia), uma produção egípcia chama a atenção pela trama curiosa: mostra um líder islâmico obcecado pela figura de Michael Jackson.

O filme se chama “Sheikh Jackson” e conta a história de um religioso muçulmano que, desde pequeno, sempre foi fascinado pelo rei do pop. Na adolescência, nos instantes em que não se dedicava ao Alcorão, imitava o gestual do seu ídolo e até exibia para os amigos uma invejável técnica ao dançar o moonwalking, a famosa caminhada para trás celebrizada por Jackson. O longa se passa logo depois da morte do cantor, quando o fã, já adulto e devoto à prática religiosa, vive uma intensa crise de identidade, confundindo-se com o astro. O que comprometerá, inclusive, seu envolvimento com a fé islâmica.

“O que um religioso tem a ver com o Rei do Pop?”, questiona um texto no folder de divulgação do filme, que mais adiante indaga: “[O personagem] É um xeique, Jackson ou ambos?”. Não há muito mais informações que isso sobre a trama, mas quem se interessar pode conferir alguns trechos do filme no trailer do longa.

Mesmo o diretor do filme, o egípcio Amr Salama, não adianta muito sobre a intriga. “A história é muito pessoal, ainda que extremamente universal, relacionada a todos do globo. É sobre fé, crise de identidade e autodescoberta”, diz, em entrevista ao UOL, por e-mail. “É mais ou menos baseado em uma experiência minha. Já fui o maior dos fãs de Michael e, em certo ponto da minha vida, estava adotando o mesmo tipo de crença religiosa do personagem, mas o abandonei”, diz o diretor.

Mas pelo folder ou pelo trailer, não dá para saber direito que tipo de filme “Sheik Jackson” é: drama intimista? Tragédia lacrimogênea? Ou comédia abertamente tosca? Salama tenta elucidar: “Pode ser considerado um drama pessoal em tom leve, com algum toque de comédia irônica. Não é um drama típico, mas também é difícil descrever como comédia simplesmente”, adianta o cineasta.

Salama é um jovem diretor que tem uma carreira já sólida no Egito, com principalmente comédias no currículo e participação em alguns festivais menos expressivos. Seu cinema (ao menos de acordo com os agentes de venda do longa) é “autoral, ao mesmo tempo em que dialoga com o grande público”, conforme explicou à reportagem um dos agentes do grupo alemão Media Luna, que negocia o filme no mercado em Cannes.

O protagonista de “Sheikh Jackson” é vivido, na juventude, por Ahmed Malek, tido como uma das promessas da nova geração de atores no país. E na fase adulta é interpretado por Ahmad Al Fishawy, bastante conhecido no Egito, filho de astros também famosos da dramaturgia local. Especialista em comédias, Al Fishawy teve problemas na carreira, após escândalos na vida amorosa e se envolver com drogas. Com “Sheikh Jackson” poderá, talvez, até ter fama internacional.

A produção é assinada por Mohamed Hefzy, o mesmo do filme “Clash”, em cartaz no Brasil e bastante elogiado pela crítica. Por enquanto, o longa não foi adquirido por nenhum distribuidor no Brasil. Mas como ainda não foi finalizado –ainda está em fase de pós-produção– ainda dá tempo de despertar a atenção de algum grupo brasileiro. “Espero que o filme estreie em algum bom festival antes, de modo que ganhe atenção. Depois, vamos lançar localmente [no Egito] e tentar em seguida, o mercado internacional”, diz o cineasta.