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"Está bem próximo do que eu era", diz Bozo retratado em filme "Bingo"

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

04/07/2017 04h00

Como estampou a já clássica capa do jornal “Notícias Populares”, Bozo cheirava até o nariz sangrar teria usado até algodão para estancar o sangue nas narinas. Entre as idas e vindas nas gravações de seu programa, um dos mais populares da TV brasileira nos anos 1980, fumava maconha a rodo e se rendia ao sexo e a praticamente todos os prazeres mundanos. A relação com filho e a ex-mulher era sempre tumultuada.

A história de Arlindo Barreto, o intérprete mais politicamente incorreto do palhaço mais famoso do mundo, está a caminho dos cinemas. Dirigido por Daniel Rezende e estrelado por Vladimir Brichta, “Bingo: O Rei das Manhãs” estreia no próximo dia 24 de agosto. E pelos trailers divulgados até aqui, o longa promete caprichar na anarquia e excessos do personagem, retratado como astro de rock.

Arlindo Barreto - Divulgação - Divulgação
O hoje pastor Arlindo Barreto
Imagem: Divulgação

“Achei que a versão do palhaço escrita pelo roteirista Luiz Bolognesi se aproximou bastante da vida desregrada que eu tinha”, diz ao UOL, por e-mail, o hoje pastor evangélico Arlindo Barreto, 64, escrevendo dos Estados Unidos, onde ministra cultos. O ex-ator, que nunca se afastou inteiramente da imagem de Bozo —já chegou a pregar fantasiado e mantém o nome "Arlindo Bozo"—, foi convidado a atuar como consultor do filme, uma espécie de “tutor” de Brichta.

Barreto, inclusive, faz ponta no filme como o sujeito que leva a palavra de Deus ao palhaço decadente, condição para consentir o projeto. “Eu lido muito bem com as lembranças daquele época, com muito carinho e orgulho”, relembra. “A única coisa que me arrependo foi não ter conhecido o Senhor Jesus como meu único e suficiente Salvador.”

Segundo a produção de “Bingo”, a ideia desde o início foi contar uma versão menos documental e mais "saborosa" da história, salpicada de romance e polêmicas. Daí veio, também, a decisão de trocar a alcunha do protagonista, evitando assim o pagamento de royalties pelo uso do nome. Apesar do enorme sucesso no Brasil, Bozo foi criado nos Estados Unidos, pelo empresário Alan Livingston.

Arlindo Barreto em culto na igreja O Brasil para Cristo - Fabiano Cerchiari/Folhapress - Fabiano Cerchiari/Folhapress
Arlindo Barreto em culto na igreja O Brasil para Cristo
Imagem: Fabiano Cerchiari/Folhapress

O quanto Bingo é Bozo

Mas o que é real e ficcional no filme? Há exagero? Arlindo Barreto desmente a infame história de que já teria entrado no ar no SBT sob efeito de drogas, como indicou em 1998 na entrevista do “Notícias Populares”, publicação esta que, segundo ele, abriu portas para pregar em igrejas. 

E as falas politicamente incorretas que estarão no filme? Os trailers mostram um Brichta vidrado e incontrolável, soltando pérolas como “até a audiência pra subir tem que ter tesão”, “70% é inspiração, 30% é uísque”, “a gente precisa de ‘pimenta’ [no programa]” e “estamos em plenos anos 1980, tudo que as crianças precisam é ‘bater um fio’ para o Bingo”.

“As falas se aproximaram bastante das minhas naquela época, mas eu nunca fui tão vulgar ou chulo assim. Em grande parte, houve uma distorção por parte do roteiro, mas eu entendo que isso faz parte de uma estratégia literária de dar um ‘tempero’ ao filme”, diz o ex-Bozo.

Pastor Arlindo Barreto se caracteriza de Bozo em 1998, em entrevista ao "NP" - Ermel - 22.nov.1998/Folhapress - Ermel - 22.nov.1998/Folhapress
Pastor Arlindo Barreto se caracteriza de Bozo em 1998, em entrevista ao "Notícias Populares"
Imagem: Ermel - 22.nov.1998/Folhapress
“Por exemplo, o Bingo diz sobre o programa ser '70% inspiração e 30% uísque’, mas eu dizia: ‘Sucesso é 70% de trabalho duro e 10% de inspiração’. A existência da fé nem que seja em si mesmo.”

Lacônico nas respostas, Arlindo Barreto lembra que, depois de tentar se “limpar” até com macumba e o candomblé, viu a salvação dentro do próprio SBT, e não exatamente na figura Silvio Santos, que chegou a tentar ajudá-lo. “Conheci [a fé] através de uma colega, produtora do meu programa. Meus conflitos pessoais eram o enorme vazio existencial que cresceu dentro do meu coração, assim como a falta de significado e propósito.”

Em tempo: dois dos 12 atores que interpretaram o palhaço na fase clássica do programa "Bozo" (1980-1991) tiveram graves sérios problemas com o vício. O pioneiro brasileiro Wanderley Tribeck era alcoólatra e também virou evangélico, enquanto Marcos Pajé chegou a afirmar que fumava cerca de 30 pedras de crack por dia.