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"Titanic" é plágio? Conheça o obscuro telefilme que inspirou James Cameron

Cenas dos filmes inspirados em Titanic - Montagem/UOL - Montagem/UOL
Imagem: Montagem/UOL

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

07/08/2017 04h00

Vencedor de 11 Oscars e a segunda maior bilheteria da história, “Titanic” (1997) poderia ter naufragado caso uma obscura produção da rede americana CBS não tivesse vindo à luz. Exibida como minissérie de dois capítulos, estrelada por jovens Catherine Zeta-Jones e Peter Gallagher, “Titanic” foi lançado em novembro de 1996, um ano antes do longa que mudaria a maneira como assistimos e compreendemos o cinema.

Figurino, direção de arte, trama e até algumas cenas famosas de “Titanic” já estavam na versão da história dirigida por Robert Lieberman, que precisou afundar algo que "nem Deus" seria capaz sob um orçamento nada celestial: US$ 7 milhões —US$ 193 milhões a menos do que gastou James Cameron.

O diretor Robert Lieberman - Reprodução - Reprodução
O diretor Robert Lieberman
Imagem: Reprodução

“A CBS me disse quando assinei o contrato que me daria US$ 11 milhões, mas veio menos. Criar a ilusão de um grande naufrágio com US$ 7 milhões foi uma insanidade. Usamos um tanque pequeno em Vancouver e íamos construindo todo o navio dentro dele. Como já tinha assinado, não poderia sair do projeto. Bolamos várias ideias para criar a ilusão”, diz ao UOL Robert Lieberman.

Após patinar com a audiência, o filme e ganhou um Emmy de mixagem de som. No Brasil, chegou a ser exibido na TV aberta pelo SBT no início dos anos 2000. Qualquer comparação é cruel. Enquanto James Cameron virou o “rei do mundo”, um dos cineastas mais bem-sucedidos da história, Lieberman voltou a dirigir projetos para a TV.

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“Sinceramente, é justo dizer que o James Cameron me copiou. Mas eu não o julgo por isso. Ele olhou para o meu filme, assim como olhei para outros para pegar ideias. É um jogo justo. O diretor precisa assistir a muitos filmes para poder assimilar referências”, pondera o diretor, que nunca conseguiu conversar com Cameron a respeito das semelhanças.

Vale lembrar, no entanto, que tanto Robert quanto James Cameron se basearam em relatos reais de livros e em outros filmes que abordam a tragédia —antes de 1996, dez produções haviam sido lançadas. Uma delas, a britânica “Só Deus por Testemunha”, de Roy Ward Baker, chegou a vencer um Globo de Ouro em 1959.

“Meu sentimento quando vi o filme do James Cameron foi de desapontamento. Porque foi um trabalho que eu fiz com muito menos dinheiro, ao qual me debrucei por um ano. Li todos os livros e vi tudo sobre o assunto. Pensei que estava fazendo o grande filme sobre o Titanic”, diz Lieberman.

Hoje, o cineasta se orgulha menos do filme e mais de ter apresentar Catherine Zeta-Jones ao mercado americano. “Mas tem coisas que gosto mais no meu. O momento em que a família pobre fica presa no convés e não consegue pegar um bote, por exemplo, é muito comovente. Toda atuação ali é perfeita. É um momento que eu realmente amo no filme.”

O UOL entrou em contato com o diretor James Cameron por meio de sua produtora, a A Lightstorm Entertainment, para comentar sobre as semelhanças dos filmes, mas empresa não havia respondido aos pedidos de entrevista até a publicação destes texto.

Veja abaixo as semelhanças (e algumas diferenças) entre os "Titanics".

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Trama

Assim como no longa de James Cameron, “Titanic” (1996) também é conduzido por uma história de amor proibido, a dos aristocratas Isabella Paradine (Catherine Zeta-Jones) e Wynn Park (Peter Gallagher) —ela é casada; ele, um ex-namorado de quem esconde uma filha. Os dois revivem intensamente o amor por quatro dias, assim como fazem Rose Bukater (Kate Winslet) e Jack Dawson (Leonardo DiCaprio). Outra semelhança, Park morre no naufrágio, devolvendo a amada voltar à vida normal. No telefime, há ainda um casal formado na terceira classe: o trapaceiro Jamie Perse (Mike Doyle), que furta um homem para conseguir a passagem —Jack Dawson a ganha no jogo—, e a missionária Aase Ludvigsen (Sonsee Ahray). Em ambas as produções, tanto Jamie quanto Jack conseguem se infiltrar na primeira classe, sendo vítimas de preconceito e armação. A principal diferença nas tramas: apenas no filme de James Cameron o amor acontece entre pessoas de classes diferentes.

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Cenas

Baseadas em relatos reais ou não, várias cenas são praticamente idênticas nos filmes (veja vídeo no topo da página). Três delas, em especial, chamam a atenção: 1) Após o choque no iceberg, as mocinhas dos dois filmes são colocadas em bote salva-vidas, descendo lentamente enquanto observam seus pares no convés. A diferença é que Rose, mais rebelde que Isabella, salta para dentro do navio antes de chegar ao mar; 2) Em meio ao caos do naufrágio, um oficial do Titanic tenta conter a multidão e atira em um homem. Arrependido, ele se mata em seguida com um tiro na cabeça; 3) Tanto Jamie quanto Jack tentam ajudar suas amadas em situações extremas —Aase é estuprada, enquanto Rose tenta se matar—, mas acabam mal-interpretados e repreendidos pelo ato. “Gosto de pensar que tudo isso foi uma homenagem”, diz Robert Lieberman.

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Direção de arte

Apesar da gigantesca diferença no orçamento, os dois longas têm direção de arte parecida. É inegável, por exemplo, a semelhança entre os figurinos dos personagens, inspirados nos da época, principalmente os de Jamie Perse e Jack Dawson (Leonardo DiCaprio) e os de Isabella e Rose. Os dois filmes tentaram recriar o mais fielmente possível o interior do Titanic, com seus salões de luxo e a escadaria com relógio. Segundo Rob Lieberman, os guarda-roupas usados em seu filme, alugados de uma loja no Reino Unido, foram reutilizados um ano depois por James Cameron. “Devolvemos o mobiliário nos Estados Unidos, para economizar o frete, e eles acabaram usando vários dos nossos armários depois.”

Inspiração no real

Os dois “Titanics” se basearam em relatos e personagens reais, restringindo a ficção aos protagonistas. O quarteto de cordas que tocou até o momento do naufrágio é retratado, assim como as conhecidas festas da terceira classe. Outro fato: a vaidade da tripulação, que esquentou as caldeiras para tentar encurtar a viagem. Vários personagens históricos também aparecem nas duas histórias, como emergente a Molly Brown, o empresário Bruce Ismay e o capitão Edward John Smith. Lieberman, por sinal, foi o primeiro diretor de ficção a mostrar o Titanic se partindo em dois pedaços, conforme indicaram os destroços do navio, descobertos apenas em 1985.