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Trabalhar com muitas atrizes atraiu Dunst a filme de Coppola: "Não é comum"

Cannes - Regis Duvignau/Reuters - Regis Duvignau/Reuters
Kirsten Dunst durante o Festival de Cannes 2017
Imagem: Regis Duvignau/Reuters

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes (França)

11/08/2017 17h15

Quando Sofia Coppola chamou Kirsten Dunst para estrelar seu novo filme, a atriz nem quis saber do que se tratava. “Ela poderia filmar a lista telefônica, ainda assim eu diria: ‘Estou dentro!’”, conta Kirsten, 35, aos risos, explicando sua participação em “O Estranho que Nós Amamos”, filme de Coppola que acaba de chegar aos cinemas brasileiros.

O longa marca sua quarta colaboração com a cineasta e amiga, que já a dirigiu em “As Virgens Suicidas” (1999) e “Maria Antonieta” (2006) – além de “Bling Ring, a Gangue de Hollywood” (2013), em que fez uma participação afetiva. “Faria qualquer coisa com Sofia. O que me interessou [no novo projeto] não foi o papel... Para mim, o diretor está sempre antes, o roteiro vem em segundo lugar. Amo Sofia, a conheço desde os 16 anos, é uma relação de confiança”, diz a atriz.

“O Estranho que Nós Amamos” é uma adaptação do livro “The Beguiled”, de Thomas Callinan, que já havia virado filme em 1971 por Don Siegel, com Clint Eastwood no elenco. A trama se passa durante a Guerra da Secessão (1861-1865), no sul dos EUA, quando um grupo de mulheres que vivem isoladas em uma casa decide abrigar um soldado inimigo que se feriu no conflito. A presença de uma figura masculina vai mexer com a cabeça – e os hormônios – daquelas mulheres.

Colin Farrell dá vida ao intruso, e Kirsten, Nicole Kidman e Elle Fanning estão entre as seduzidas pelo bonitão. “Gostei de fazer o filme porque foi a chance de atuar com muitas outras atrizes, o que não é tão comum assim no cinema. Quer dizer: tem o Colin, um ótimo coadjuvante, que é bastante ‘objetificado’ [risos]. Aparece muito suado, cortando lenha, como em alguns trechos de romance barato. Aliás, poderiam incluir no material de imprensa um livrinho com as imagens sexy dele [no filme]: haveria várias”, brinca.

Cena do filme "O Estranho que Nós Amamos" - Divulgação - Divulgação
Cena do filme "O Estranho que Nós Amamos", de Sofia Coppola
Imagem: Divulgação

Visão feminina

A “objetificação” masculina, aliás, é proposital – com ela, Coppola dá uma espécie de “resposta” à versão de Siegel, desta vez narrando a mesma trama sob uma ótica feminina. O longa de 1971 era repleto de cenas controversas – com até alusões a incesto e um polêmico beijo na boca entre um homem feito e uma pré-adolescente. E na relação entre as mulheres da casa, a disputa pelo “macho” se sobressaía. Mas no filme de Coppola, praticamente tudo isso some; a diretora prefere sacrificar a complexidade das personagens em nome da aposta no caráter empoderador da união feminina.

“Assisti à primeira versão há quatro anos, enquanto Sofia estava ainda só com a ideia. Achei que era um daqueles filmes cafonas dos anos 1970”, diz Dunst sobre o longa de Siegel, talvez sem saber que muitos críticos o consideram uma obra-prima. “Tem boas performances, mas achei muito exagerado”, complementa.

Coppola certamente concorda com a amiga, já que sua versão não traz as cores quentes da de Siegel e reduz a carnalidade das personagens femininas a quase zero. Aliás, das mulheres da casa, a mais reprimida é justamente a interpretada por Kirsten, Edwina, que é também a principal vítima da lábia do soldado. “Eu teria dado logo um tiro nele! Não importa o quão gostoso fosse”, diz a atriz, às gargalhadas. “Não o teria deixado me manipular daquele jeito.”

“Edwina é o extremo oposto de quem eu sou. É alguém que, na época, pela idade, já deveria estar casada. É uma mulher muito reprimida e triste.” Segundo Kirsten, hoje nenhuma mulher precisa de uma aliança no dedo para ser feliz. “Não é uma obrigação. Cabe ao casal decidir”.

Mas, ainda que tenha uma visão libertária sobre a condição feminina, a atriz entende que o contexto de vida de cada um é muito variável. “Não me sinto capaz de julgar culturas e modos como as pessoas são criadas, porque são coisas muito diferentes. E é o que torna as pessoas tão distintas umas das outras. O que é bom, porque elas não deveriam mesmo ser iguais.”

Kirsten acredita que dá sua melhor contribuição à emancipação feminina quando prestigia cineastas do mesmo sexo que ela. “Eu provavelmente já trabalhei com mais diretoras que qualquer outra atriz. De muitas delas, ninguém sequer ouviu falar. Várias outras estavam em seus primeiros filmes”, gaba-se. “Mas não acho que haja diferença entre uma cineasta mulher ou um homem.”

Mas quando indagada sobre pessoas por quem ainda gostaria de ser dirigida, são nomes masculinos os primeiros que lhe vêm à cabeça. “Eu adoraria trabalhar com Michael Haneke [de ‘Amor’], seria ótimo poder fazer um filme em alemão com ele”, diz Kirsten, que nasceu nos EUA, mas também tem cidadania alemã (seu pai é natural de Hamburgo). “Também adoraria trabalhar com Paul Thomas Anderson [de ‘Sangue Negro’] e Quentin Tarantino [de ‘Os Oito Odiados’].”

Polêmica em Cannes

O ponto alto da carreira de Kirsten se deu em 2011, quando ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes, por “Melancolia”, de Lars Von Trier. Mas na época, ela se viu diante de uma enorme saia justa: na coletiva de imprensa, Trier fez uma “piada”, dizendo que “entendia Adolf Hitler” – sentada ao seu lado, Kirsten tentou, em vão, interrompê-lo. “Meu Deus, isso é terrível”, ela disse, constrangida, mas Trier seguiu seus disparates. Depois de tamanho mal-estar, Kirsten voltaria a um set do cineasta? “Sim, eu trabalharia com ele novamente. Até fazemos aniversário na mesma data”, diz, sem transparecer mágoa.

Mas nos próximos meses, sua cabeça andará mais voltada para sua própria estreia na direção. Ela já prepara uma adaptação ao cinema do romance “A Redoma de Vidro”, da americana Sylvia Plath (1932-1963) – foi a amiga Dakota Fanning, irmã de Elle (Kirsten brinca que é “a terceira Fanning”), quem lhe deu a ideia. O elenco deverá trazer Patricia Arquette e Stacy Martin, além de Dakota.

“Terá um elenco só feminino. Com atrizes de ampla variação de idades”, ela diz, sem entrar em detalhes. Mas segundo o site IMDB, principal banco de dados sobre cinema na web, o filme contará também com alguns homens, inclusive seu noivo na vida real, o ator Jesse Plemons (com quem contracena na série “Fargo”).

“Sou paciente diante dos projetos em que me envolvo. E é preciso trabalho árduo quando se decide fazer um filme. Vai consumir a sua vida por uns bons dois anos. É importante ser humilde”, diz a diretora de primeira viagem, sabendo que a sua será longa.