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Como diretora de "Mulher-Maravilha" está fazendo uma revolução em Hollywood

A diretora Patty Jenkins (dir.) com a atriz Gal Gadot no set de "Mulher-Maravilha" - Clay Enos/Warner Bros.
A diretora Patty Jenkins (dir.) com a atriz Gal Gadot no set de "Mulher-Maravilha" Imagem: Clay Enos/Warner Bros.

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

24/08/2017 04h00

Desde pelo menos “Thelma & Louise”, em 1991, toda vez que um filme protagonizado por mulheres faz sucesso, a imprensa, as profissionais de cinema e todo o resto do mundo fica na expectativa de finalmente ver Hollywood abrir mais espaço para as mulheres. E todas as vezes as expectativas acabam em decepção.

A própria protagonista de “Thelma & Louise”, Geena Davis, que mantém um instituto para promover a igualdade de gênero na mídia, sempre demonstra esta frustração: “De tempos em tempos sai um filme que faz um grande sucesso e vem aquela onda: ‘Agora tudo será diferente’, mas não vemos isso nos números”, disse ela, em uma entrevista de 2016. E com razão: segundo estudo da Universidade de San Diego, no ano passado, só 29% dos 100 filmes de maior bilheteria nos EUA tinham mulheres como personagens principais.

Quando “Mulher-Maravilha” estreou em junho, depois de uma espera de 75 anos, as expectativas não poderiam ser mais altas. Seria ela finalmente a responsável por quebrar o “teto de vidro” de Hollywood, a cereja no bolo de um lento, mas gradual crescimento de filmes focados em mulheres?

Os números indicam que sim --o filme chegou à marca de US$ 800 milhões no mundo todo, batendo o recorde de maior bilheteria de um longa dirigido por uma mulher, e conseguiu atrair um público 50% feminino nos EUA, quando os longas de heróis em geral têm mais de 60% dos ingressos vendidos para homens.

Mesmo assim, considerando o histórico de Hollywood, ainda não é garantia de mudanças, já que a indústria várias vezes voltou a ser dominada pelos “meninos” depois de sucessos como “Thelma & Louise” e “Jogos Vorazes”.

Mas a verdadeira revolução que “Mulher-Maravilha” está promovendo vai além, e justamente por isso tem mais chances de ajudar a mudar Hollywood de vez. Além de ter uma heroína à frente, a maior parte da equipe por trás das câmeras também era formada por mulheres, da diretora Patty Jenkins à designer de produção, passando pelas decoradoras de set, técnicas de efeitos especiais e coordenadora de efeitos visuais.

Imagem de bastidores mostra a diretora Patty Jenkins com a atriz Gal Gadot no set de "Mulher-Maravilha" - Clay Enos/ TM & (c) DC Comics - Clay Enos/ TM & (c) DC Comics
Para dirigir "Mulher-Maravilha 2", Patty Jenkins exigiu receber o mesmo que um colega homem receberia depois de um sucesso de bilheteria
Imagem: Clay Enos/ TM & (c) DC Comics

Outro tabu quebrado por Jenkins provou o que deveria ser óbvio: mulheres são sim capazes de comandar uma produção de mais de US$ 100 milhões e fazer não só um bom filme, mas um grande blockbuster (lembrando que ela é apenas a segunda diretora a receber um orçamento deste tamanho, depois de Kathryn Bigelow dirigir "K-19: The Widowmaker", de 2002).

A desvantagem aqui ainda é enorme --entre as 250 maiores bilheterias de 2016 nos EUA, só 7% tiveram diretoras, e as mulheres foram apenas 17% dos profissionais envolvidos nesses filmes atrás das câmeras (segundo o mesmo estudo da Universidade de San Diego).

Em uma entrevista à revista Vanity Fair, a própria Jenkins apontou o quanto o buraco é bem mais embaixo, ao lembrar que grande parte dos projetos que chegavam a ela já estavam muito avançados, e eram moldados por um ponto de vista muito específico, de um tipo muito específico de profissional do sexo masculino.

“Geralmente era um cara que tinha uma ideia, e chamava outro cara para escrever, e outros cinco caras para opinar”, contou. “Eu não me identificava com aquilo. Precisamos de mais projetos com diversidade e precisamos incentivar a ideia de que qualquer um pode ser um personagem universal. Se um carro ou uma tartaruga podem ser um personagem universal, então uma mulher obviamente também pode ser, e pessoas de diferentes etnias e origens também podem. Essas histórias podem ser ligeiramente diferentes [do que estamos acostumados], e temos que dar espaço para elas”.

O sucesso de Jenkins, e sua postura, têm sido aplaudidos por suas colegas –da diretora de “Cinquenta Tons de Cinza”, Sam Taylor-Johnson, à própria Geena Davis— e deve inspirar muitas profissionais mais jovens. Outra lição importante que ela deixa, aliás, é no espinhoso campo da desigualdade salarial.

Sem se deixar intimidar por um mundo dominado por homens, a cineasta levou esta atitude para as negociações de seu salário no próximo filme. Aqui, aliás, uma provável desconfiança da Warner na capacidade da diretora acabou saindo cara. Contrariando o que costuma ser o padrão na indústria, o estúdio não colocou no contrato de Jenkins a opção para um segundo filme, e ela pôde renegociar seu pagamento depois de provar, e muito, seu valor nas bilheterias.

Segundo a imprensa especializada, quando assinar o contrato, o que deve acontecer em breve, ela vai bater mais um recorde e se tornar a diretora mais bem paga de Hollywood, simplesmente porque exigiu receber o mesmo que um colega homem receberia depois de um blockbuster como “Mulher-Maravilha”. Isto significa um salto de algo entre US$ 1,5 a US$ 3 milhões (salário um diretor novato em um filme de super-herói) para cerca de US$ 10 milhões, mais 10% de participação (valor que Zack Snyder recebeu em seu segundo filme para a DC, "Homem de Aço").

O reflexo dos caminhos aberto pelas super-mulheres de “Mulher-Maravilha” no mundo masculino dos blockbusters já começam a ser vistos. Em 2018, Ava DuVernay ("Selma") se tornará a terceira diretora (e primeira mulher negra) a receber um orçamento de mais de US$ 100 milhões, para “Uma Dobra no Tempo”, da Disney. Gina Prince-Bythewood também avança por aí como a primeira mulher negra a comandar um filme de super-herói ("Silver & Black", spin-off de "Homem-Aranha" centrado na Gata Negra e na Sabre de Prata, programado para 2019), e Anna Boden vai codirigir "Capitã Marvel", primeiro filme da Marvel com uma mulher como protagonista (também para 2019).

Antes disso, porém, a Warner planeja uma campanha milionária para levar “Mulher-Maravilha” a indicações de melhor filme e direção no Oscar 2018. Seria uma primeira vez no universo dos filmes de heróis, mas também poderia se tornar um marco por outro motivo: apenas uma diretora levou a estatueta até hoje (Kathryn Bigelow, em 2010), e desde então não vimos uma representante nossa entre as indicadas. Talvez esteja na hora disso mudar.

Veja o trailer de "Mulher-Maravilha":

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