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Aquele seu problema em casa pode estar no filme "Como Nossos Pais"

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Imagem: Divulgação

Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

31/08/2017 04h00

"Como Nossos Pais" começa com uma família reunida em volta da mesa de almoço de domingo e lá também deve terminar, já fora das telas, em um possível debate entre os próprios espectadores. Ao promover um encontro de gerações, seus tabus e conflitos, o quarto longa da diretora Laís Bodanzky conseguiu fazer barulho dentro e fora do Brasil. O filme chega aos cinemas nesta quinta-feira (31) impulsionado como o grande vencedor do Festival de Cinema de Gramado, com seis Kikitos, além de um prêmio na França e da recepção calorosa no Festival de Berlim, em fevereiro.

O filme se torna universal ao jogar luz sobre questões cotidianas que incomodam, mas por estarem tão enraizadas acabam deixadas em segundo plano. Dramas considerados pequenos como a mãe que tem que dar conta dos filhos e da rotina da casa sozinha, a falta de desejo e de sexo em relacionamentos longos, um parente dependente de outros, um trabalho que não traz satisfação pessoal. Além da pouco abordada e complexa relação entre mãe e filha, vivida com força por Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra.

"Levei temas do roteiro para a minha sessão de terapia pessoal, tem cenas que surgiram lá. É um tema muito difícil de formular. Parece que é uma questão menor por não ter nenhuma tragédia. Mas a partir dessas pequenas questões é que surge a opressão que coloca a mulher em um papel totalmente marginal", explica a diretora Laís Bodanzky ao UOL.

Sua personagem central é Rosa (Maria Ribeiro), uma mulher na casa dos 30 e muitos anos que começa a questionar seu papel como mãe, filha, esposa e profissional após uma discussão em família que termina com uma revelação surpreendente de sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra). Os questionamentos de Rosa vão revelando traços da personalidade e comportamentos que geram debates entre todos que estão ao seu redor. O marido, as duas filhas pequenas, o pai, os irmãos e a própria mãe, em uma relação mãe e filha conflituosa e bastante verdadeira.

Sob a ótica feminina e com sua primeira protagonista mulher, "Como Nossos Pais" marca a estreia de Laís Bodanzky como roteirista. Ela assina o argumento ao lado do marido, Luiz Bolognesi, roteirista de seus outros três longas: "Bicho de Sete Cabeças" (2000), "Chega de Saudade" (2007) e "As Melhores Coisas do Mundo" (2010). "A pesquisa foi muito simples, é uma observação da vida real. O plot central sou eu mesma, que me identifico com a Rosa", explica a diretora sobre a ideia do filme que surgiu depois de uma reunião de escola das filhas. "Meu objetivo é que as mulheres se identifiquem e usem isso para elas. Eu acredito que um filme pode mudar nossa vida."

Guerra entre gêneros? Não

Maria Ribeiro e Paulo Vilhena - Divulgação - Divulgação
Maria Ribeiro e Paulo Vilhena, o casal Rosa e Dado
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Se em "Chega de Saudades" (2007), Laís Bodanzky conversou com os idosos e mirou nos adolescentes em "As Melhores Coisas do Mundo" (2010), o quarto longa da carreira surpreendeu a própria diretora ao conversar com várias culturas e gerações. "Eu também não sabia [que haveria essa identificação universal], descobri isso quando passamos a exibí-lo pelo mundo". Uma das histórias que marcou foi a reação de um francês depois de assistir "Como Nossos Pais". "Vim aqui imaginando ver uma coisa que era a cara do Brasil e acabei vendo a história da minha vida", disse o estrangeiro que esperava um filme com violência e conflitos sociais, gênero conhecido lá fora como "favela movie", ou algo mais colorido e tropical.

Houve, no entanto, um cuidado para não transformar os personagens masculinos em vilões. Além de Dado, o marido de Rosa, outras típicas figuras masculinas também estão representadas por Homero (Jorge Mautner), o pai artista de Rosa e ex-marido de Clarice, e Pedro (Felipe Rocha), o pai do amiguinho de escola de uma das filhas de Rosa.

"Ninguém falou para os homens que eles não estão acertando. Na hora que você joga uma situação e dá a oportunidade de eles olharem para eles mesmos e refletirem sobre o que já fizeram sem taxar como escrotos ou machistas, o diálogo fica mais leve. O filme é muito mais uma fotografia para que o espectador tire suas próprias conclusões do que uma guerra entre gêneros. Por isso que os homens ficam confortáveis ao se reconhecerem no filme e muitos até dão risada. É possível conversar sobre isso", explica a diretora.

Paulo Vilhena, intérprete de Dado, o marido de Rosa que vive viajando a trabalho e inconscientemente deixa todas as responsabilidades do cotidiano para a mulher, vê o homem perdido hoje diante do empoderamento feminino. 

"O homem hétero está fodido hoje. Ficam quietos, calados, sem saber bem o que fazer. Deve haver nesse momento de transição da sociedade, principalmente em relação à mulher, esse olhar carinhoso, generoso e disponível do homem para que esse movimento aconteça e ele não fique assustado", sugere o ator.

Paulo Vilhena também tem um conselho às mulheres. "É um bom recurso convidar o parceiro para assistir ao filme e refletir sobre isso. Como os integrantes da família estão configurados dentro dessa estrutura. Isso que é o barato do cinema e principalmente desse filme. Levantar essas questões e esse debate em relação à função de cada um."

A diretora Laís Bodanzky com Jorge Mautner nos bastidores de "Como Nossos Pais" - Divulgação - Divulgação
Laís Bodanzky e Jorge Mautner nos bastidores de "Como Nossos Pais"
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Maria Ribeiro lembra que o debate sobre os papéis pré-estabelecidos dentro de um padrão esperado de família é positivo como um todo. "Na verdade essas mudanças são para o bem de todo mundo. Para o homem também. Ele não precisa ser quem ganha mais, não precisa bancar todas as contas da casa. Tem um monte de coisa legal que está vindo aí. E os homens vão agradecer muito".

Mãe de dois meninos, a atriz vê reflexos positivos de mudança já na próxima geração. "Eu crio dois meninos bem feministas. Eu dei boneco para os dois. O João nunca deu muita atenção, mas o Bento leva super a sério. Ele tem um boneco que se chama Caetano. É o filho dele, e eu sou a avó. Ele já exerce essa paternidade de um jeito muito fofo. Acho que isso vai fazer muita diferença na vida adulta dele", aposta.

Expectativa para o Oscar

Maria Ribeiro - Diego Vara/Pressphoto - Diego Vara/Pressphoto
Maria Ribeiro se emociona ao levar o Kikito de melhor atriz no Festival de Gramado pelo filme "Como Nossos Pais"
Imagem: Diego Vara/Pressphoto

Desde que foi exibido pela primeira vez, em fevereiro, como um dos filmes selecionados para a Mostra Panorama, em Berlim, "Como Nossos Pais" caminhou com as próprias pernas no mercado internacional. O filme foi vendido para mais de 25 países e chegou a entrar em cartaz em países como Holanda e Bélgica antes mesmo de estrear no Brasil, sempre com ótima recepção.

"Como Nossos Pais" também levou o prêmio do público no Festival de Cinema Brasileiro de Paris. A cereja do bolo veio no último fim de semana em Gramado, onde conquistou o principal prêmio do festival de cinema e outros cinco Kikitos. O filme também já está inscrito para tentar entrar na lista de indicações do Brasil ao Oscar. A primeira lista com os selecionados será divulgada pela Comissão Especial de Seleção ao Oscar no dia 15 de setembro.

A diretora Laís Bondanzky tenta conter as expectativas, mas se diz bastante otimista com uma possibilidade de indicação ao Oscar. "O filme já tem uma carreira lá fora e eu já senti que ele tem um gostinho que faz sentido. A partir do momento em que ele não é um filme só local, tem uma temática que toca todo mundo e é algo que está represado. As mulheres querem falar disso e os homens também querem. Se o filme for o escolhido eu tenho confiança que ele pode fazer um caminho muito forte lá fora. É o que desejo e o que quero."