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"É, seria divertido", diz George Clooney sobre ser presidente dos EUA

O ator George Clooney - Reprodução
O ator George Clooney Imagem: Reprodução

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Veneza (Itália)

02/09/2017 11h15

Há anos, George Clooney tem mostrado interesse em atuar em causas humanitárias, mas seu desejo de mudar o mundo também se faz notar em sua obra. Em seu novo filme como diretor, “Suburbicon”, o astro vem politizado como nunca: exibido neste sábado (02) no Festival de Veneza, o filme propõe uma pesada crítica ao modo de vida da sociedade americana, destacando sua hipocrisia e atacando sua propensão ao racismo.

Exibido em competição, o longa teve as sessões mais concorridas até o momento no festival. A trama se passa na década de 1950 e se baseia em um roteiro dos irmãos Joel e Ethan Coen (diretores de “Onde os Fracos Não Têm Vez”) escrito há mais de 30 anos, mas que tem assombrosa atualidade na América da era Trump.

Conta a história do bairro (fictício) de Suburbicon, onde famílias de classe média alta levam uma vida perfeita nas aparências, mas escondendo diversos comportamentos condenáveis. O foco é em dois lares: o de uma família negra, que se muda para o local em busca dos ideais do “modo de vida americano” (mas que acaba sofrendo todo tipo de preconceito), e o de outra branca, que mora na casa ao lado.

Nesta segunda, uma tragédia acontece quando dois sujeitos invadem o local e matam a dona da casa, fazendo com que seu marido e filho precisem reinventar sua rotina. Logo, o público vai descobrir que não apenas são pessoas hipócritas, mas capazes de crueldades das mais terríveis. Matt Damon e Julianne Moore são os protagonistas – Clooney ficou apenas atrás das câmeras.

“É um filme raivoso”, disse Clooney, em conversa com a imprensa. “A realidade é que demora dois anos para fazer um filme, e geralmente ele marca onde estávamos no período em que foi feito. Nos EUA, vivemos hoje a época mais raivosa que eu já presenciei, mais até que nos tempos de Watergate”, disse o diretor, referindo-se ao escândalo político que, nos anos 1970, levou o então presidente Richard Nixon a renunciar.

“Há uma nuvem negra sobre o EUA. Sou um otimista e acho que vai dar tudo certo, acredito nas instituições, na nossa mídia, no nosso legislativo. Mas pessoas estão com raiva – raiva delas mesmas, do país, do mundo atual. Acho que isso acaba se refletindo no filme, o que é bom. Queria que fosse engraçado, mas que também mostrasse essa raiva.”

No roteiro inicial, não havia a família negra, mas Clooney achou que caberia bem incluir a questão racial. O filme ganha atualidade maior ainda quando lançado após manifestações racistas como a de Charlottesville, que mostram a força do renascimento dos ideais da extrema-direita nos EUA no governo de Donald Trump.

“Quando alguém fala de tornar a ‘América grande novamente’ [o slogan do governo Trump] fala da América do governo de Eisenhower, dos anos 1950, quando ser grande era ser branco, heterossexual e homem”, disse Clooney. “Não é tanto um filme sobre Trump, mas sobre a necessidade de entrarmos em termos conosco mesmos. [É entender que] Nunca vamos resolver nossas questões pelo ódio da raça.”

Matt Damon em cena de "Suburbicon" - Reprodução - Reprodução
Matt Damon em cena de "Suburbicon"
Imagem: Reprodução

“Estamos diante da definição de ‘privilégio branco’ quando vemos um homem branco sair de bicicleta pelo bairro, com a camisa toda suja de sangue, e a culpa toda cair sobre os moradores negros da região”, disse Matt Damon. “Não tenho uma cara de estrela. Pareço um americano médio. Acho que fui útil [a Clooney] dessa forma”, disse o ator.

Clooney talvez seja o exemplo mais representativo da “celebridade politizada”, tipo de famoso que não se dá por satisfeito com o êxito pessoal e se dedica a causas que melhorem a vida de pessoas em condições menos favorecidas. Desde que deixou de ser um mero destaque da série “E.R.”, na década de 1990, e virou uma grande estrela, vem dedicando parte de sua vida ao engajamento, em várias causas libertárias.

Astros como ele (além do próprio Damon, Angelina Jolie, Madonna e tantos outros) costumam ter interesses genuínos em tornar o mundo um lugar melhor, não há dúvida; mas sabem muito bem o quanto o envolvimento em causas político-humanitárias também podem ser uma ferramenta de autopromoção. Talvez por isso, esse tipo de artista tenha virado quase que um clichê na Hollywood moderna.

Na década passada, por anos Clooney foi o principal porta-voz da do conflito em Darfur, área do Sudão onde direitos humanos da população civil era desrespeitado por conta de desentendimentos de natureza étnico-política. Foi o responsável por tornar a situação daquele país mais conhecida pelo mundo, além de arrecadar fundos para ajudar refugiados e a realizar encontros com autoridades da ONU.

Quando Clooney ganhou seu Oscar de ator coadjuvante (em 2006, por “Syriana, a Indústria do Petróleo”), no discurso mencionou a importância do fato de artistas (como ele próprio) defenderem causas libertárias. No ano passado, conseguiu se encontrar com Angela Merkel para pedir mais apoio aos refugiados sírios na Alemanha e já defendeu diversas vezes publicamente a comunidade LGBT. Onde há uma grande causa, lá está Clooney.

Em “Suburbicon”, ele deixa uma mensagem de união ao promover a amizade entre uma criança branca e seu vizinho negro. “Sou patriota. O sentido que eu procurei com o filme foi o de que as duas crianças se unissem e dissessem: ‘Vamos tornar este lugar melhor’”, disse o ator-diretor.

No final da conversa com a imprensa, alguém indagou a Clooney se ele, que fala tanto em política, tinha plano de, um dia, virar presidente dos EUA. “É, seria divertido”, respondeu o astro. “Já eu queria que qualquer pessoa se tornasse presidente – e de imediato! Por favor!”, complementou Damon, levando a sala às gargalhadas.