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Muita nudez e pouco glamour: "The Deuce" desvenda o mercado do sexo em NY

Maggie Gyllenhaal vive a prostituta Candy em "The Deuce", que estreia neste domingo (17)  - Divulgação/HBO
Maggie Gyllenhaal vive a prostituta Candy em "The Deuce", que estreia neste domingo (17) Imagem: Divulgação/HBO

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, de Los Angeles

17/09/2017 04h00

Com batismo derivado do apelido dado pela gente da noite ao trecho da rua 42, no coração de Manhattan, entre a Sétima e a Oitava Avenidas, onde inferninhos, cinemas pulguentos e clubes suspeitos se espremiam até meados dos anos 1980, “The Deuce” estreia neste domingo (17), às 21h, na HBO com as expectativas do público, e do canal por assinatura, nas alturas. Os oito episódios da primeira temporada da série estrelada por James Franco e Maggie Gyllenhaal são assinados, afinal de contas, pela dupla David Simon e George Pelecanos, criadores e roteiristas, mestres em retratar a vida urbana em produções celebradas pela crítica, como “The Wire”, passada em Baltimore, e “Treme”, em Nova Orleans. Desta vez o cenário é a Nova York decadente do começo dos anos 1970.

Coprodutores da série, James e Maggie se destacam no elenco. O multifacetado ator interpreta os gêmeos Vincent e Frankie Martino, próximos do baixo-clero da máfia local. Com peruca loira encaracolada e pouquíssima roupa, Maggie é Candy, mãe durante o dia que ganha a vida nas ruas de Midtown quando a noite vem.

Inspirados em seres de carne e osso, eles quase não se esbarram pelas ruas malvadas da cidade, mas se tornam figuras centrais, em meio à violência das gangues e à prostituição rampante, do nascedouro da bilionária indústria da pornografia americana, tanto em seu formato audiovisual quanto na explosão de casas de massagens e saunas fechadas uma década depois em meio à tragédia da Aids. Mas o personagem central de “The Deuce”, uma vez mais, em se tratando de Simon & Pelecanos, é mesmo a cidade-desejo eleita pela dupla como cenário da vez.

The Deuce  - Divulgação/HBO  - Divulgação/HBO
James Franco dá vida ao barman empreendedor Vincent Martino em "The Deuce"
Imagem: Divulgação/HBO
“Verdade, mas, curiosamente, “The Deuce” nasceu em Nova Orleans. Estávamos filmando “Treme” e nosso assistente de locação, Mark Johnson, não parava de contar aventuras incríveis de um sujeito, dono de um bar em Manhattan, que, segundo ele, dava uma série. Ele falou tanto, mas tanto sobre isso, que nos convenceu a conferir a história quando voltamos para Nova York, onde fazíamos a edição de som de “Treme”, conta Simon.

O passo seguinte foi escutar as várias fitas cassetes gravadas pelo dono do bar, inspiração direta para um dos irmãos Martino. Ali, ele reunia informações sobre tudo o que viu e ouviu por décadas a fio em um local frequentado por intelectuais, boêmios, proxenetas, mafiosos, policiais, veteranos de guerra, cafetões, políticos, moças de vida nada fácil, estudantes e até a turma de um certo Andy Warhol. A riqueza de detalhes era fascinante, mas Simon&Pelecanos titubearam:

“O risco de se fazer algo escancaradamente apelativo, já que os combustíveis daquela história claramente eram sexo, dinheiro, álcool e ainda mais sexo, era muito grande. Aí nos encontramos com ele. Foram três horas de conversa. E a riqueza da tragédia e da comedia da fauna que frequentava aquele bar ficou clara para nós. Não tinha mais como escapar”, diz Simon.

James Franco revela que o nova-iorquino da gema faleceu pouco antes do início das filmagens, levado por um câncer, uma década e meia depois de seu irmão gêmeo. Ele ainda teve tempo de ler o roteiro dos dois primeiros episódios, soube que a HBO havia dado sinal verde ao projeto e pôde conferir - e aprovar - o elenco. Seu desejo final foi o de se manter anônimo durante a exibição da serie, pedido que será atendido pelos produtores. Seu nome real, portanto, não será revelado.

“Fiz o Vincent como uma homenagem a uma pessoa real, a alma de um bar que funcionava como uma espécie de abre-alas da Nova York daqueles tempos,” diz o ator.

Em “The Deuce”, NYC também pulsa na explosão do funk e do punk, nas letras politizadas de Marvin Gaye e nas referências ao cinema independente da época, especialmente “Taxi Driver - Motorista de Táxi”, de Martin Scorsese, lançado em 1976. Os episódios avançam gradativamente no tempo, de 1971 à segunda metade da década, e as transformações vividas pelos pioneiros da indústria pornô nas ruas da cidade insone ocorrem entre surras, prisões, estupros, overdoses, assassinatos e a riqueza doída do submundo nova-iorquino.

É como se os diretores - e James Franco comanda os trabalhos em dois dos episódios - quisessem traduzir na telinha o imaginário criado por Lou Reed em suas letras mais reveladoras sobre a cidade que tanto amou. O espectador que disser sim ao convite de Simon e Pelecanos e decidir dar uma caminhada pelo ‘wild side’ da NYC dos anos 1970 certamente tentará, como os personagens da história, manter os olhos bem abertos o tempo todo:

“Quando fiz 17 anos, em 1977, fui dos subúrbios de Long Island para passar um verão em NYC, trabalhando na loja de eletrônicos de um tio meu. Jamais me esqueci do quão sedutora e perigosa a cidade me pareceu. Do quão única e suja aquela Times Square era. Não tenho nostalgia de uma cidade muito menos segura do que hoje em dia, mas a NYC de antes do banho de dinheiro, do parque de diversão de bilionários, era incrível, riquíssima culturalmente, um caldeirão muito mais borbulhante de interesses e pessoas do que a do tempo presente. E sim, ela merece ser revisitada”, resume Simon.