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Nunca havia mergulhado tanto no escuro, diz Jennifer Lawrence sobre Mãe!

Javiem Bardem e Jennifer Lawrence interpretam um casal em "Mãe!" - Divulgalção
Javiem Bardem e Jennifer Lawrence interpretam um casal em 'Mãe!' Imagem: Divulgalção

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, de Toronto (Canadá) e Nova York (EUA)

23/09/2017 04h00

Mãe Natureza e Deus. Os papéis não são exatamente os mais simples das trajetórias de Jennifer Lawrence e Javier Bardem, os protagonistas de “Mãe!”, o filme de Darren Aronofosky que está gerando a maior polêmica entre os cotados para a recém-iniciada temporada de premiação de Hollywood.

O diretor de “O Lutador” e “Cisne Negro” bolou, em cinco dias, um thriller psicológico com tiques de “Psicose” e “O Bebê de Rosemary” mas tendo como pano de fundo uma alegoria eco-religiosa, com comentários sobre a maneira como tratamos o planeta, representado pela casa em que os dois personagens centrais vivem, o culto desmedido às celebridades de apelo fácil e um olhar bem específico sobre os mitos bíblicos.

Namorada do diretor, J-Law, como é conhecida, aparece em quase todas as cenas e sofre nas mãos dos primeiros homens, dublês de Adão e Eva, vividos por Ed Harris e uma especialmente inspirada Michelle Pfeiffer, em uma interpretação kitsch que vem recebendo elogios da crítica.

Vaiado e aplaudido por jornalistas no Festival de Veneza, com sessões lotadas em meio a explosões nervosas de risos e uivos no Festival de Toronto, “Mãe!” é um filme que não passa em branco. Nos EUA, as resenhas também foram desiguais. E o público foi bem menor do que o esperado em um filme sem vergonha de ser cabeça, embora com cenas divertidíssimas, muito mais palatáveis do que outra inserção bíblica do diretor, o modorrento “Noé”.

O UOL conversou com Jennifer Lawrence sobre a experiência de se levar para a tela uma história que, em duas horas quase exatas, vai do Gênesis ao Apocalipse sem deixar o espectador dar uma piscadela, sob o risco de perder o fio da meada. Os melhores trechos da conversa segue abaixo:

Este não é exatamente seu filme mais fácil para se ver no cinema. Foi difícil para você também?

É engraçado as pessoas têm falado comigo quase como se fosse um elogio, assim “nossa, que tenso, que difícil, que coisa desconfortável” (risos). Mas este era um dos objetivos do Darren. Nunca fiz nada tão difícil, foi o trabalho em que mais exigi de mim mesmo. Nunca havia feito um personagem como este, tão vulnerável, tão diferente de quem eu sou. Nunca havia mergulhado no escuro desta maneira.

Podemos pensar na vulnerabilidade de sua personagem em dois níveis: no íntimo, em que ela vive uma gravidez de maneira diversa da do marido poeta, e no alegórico, em que ela representa a Mãe Natureza sendo vilipendiada por tudo e todos

Sim, especialmente pelos humanos. Estamos todos tratando muito mal do planeta, né? Esta parte da história estava muito clara na minha cabeça. A ideia de Darren de representar o mundo em uma única casa foi crucial para mim. É aquela coisa: não importa o país que está atacando mais o planeta, nossa casa é uma só e todos sentem quando o carpete da entrada é destruído. O foco é no coletivo.

E a alegoria bíblica? Você é uma pessoa religiosa?

Não. Também não me descrevo como ateia. Sou curiosa. Estamos mostrando no filme um momento de criação religiosa e o desejo das pessoas de encontrar algo maior para as guiarem. No fim, acho estranho as pessoas discutirem religião, o transcendente, sendo que não temos qualquer conhecimento empírico sobre o tema.

Você é hoje a atriz mais bem paga de Hollywood...

Atriz, beeeeem distante dos atores (risos). Olha, é bom trabalhar duro e saber que você está sendo muito bem paga. Mas não penso muito sobre isso ou me sinto mais poderosa de algum modo porque tenho muito claro em minha cabeça que isso irá mudar mais cedo ou mais tarde. É o momento, só isso.

Jennifer Lawrence em "Mãe!" - Divulgação - Divulgação
Jennifer Lawrence em cena de "Mãe!"
Imagem: Divulgação
No filme você vai a extremos, física e emocionalmente. É assim também com você na vida real?

Exatamente o oposto (risos). Gosto de ter o controle das minhas emoções dentro do possível e de refletir bastante antes de tomar decisões. O intempestivo eu deixo lá nos filmes. Mas às vezes certas coisas me tiram do sério, como a publicação, outro dia, pela imprensa, de que eu teria dito algo como “o presidente Donald Trump é o responsável pelos furacões cada vez maiores que estão assolando o Caribe e os EUA”. Cheguei a pensar: mas eu disse mesmo isso? Eu tomei um remédio para dormir e saí com esta? Mas, claro, tiraram uma frase minha fora de contexto e pronto. Veja bem, não estou nem aí para os tabloides. Agora, quando a grande imprensa publica uma fabricação de alguém como notícia real, de fato me deixa indignada. Isso já não me faz chorar mais, mas sim, fico revoltada.

Filmar de forma cronológica te ajudou em “Mãe!”?

Sim. Foi importantíssimo. Não tinha jeito, por uma questão prática, mas ali eu fui crescendo com o personagem, eu pude viver as transformações diariamente.

Você lembra sua primeira reação ao conversar com Darren Aronofsky sobre o seu papel?

Sim, ele me explicou com clareza cada alegoria, cada metáfora. Fiquei empolgadíssima com a ambição dele, o quão único e gigante era aquele filme. Aí li o roteiro, achei sensacional. Mas no fim pensei: "jura?  O que é isso?" Pareceu-me ser muito arriscado para todos nós. Até que percebi ser justamente esta a razão pela qual “Mãe!” é tão bom, tão interessante, para mim, uma obra-prima: o risco, o desafio, a coragem.