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Como Harrison Ford salvou sua carreira fazendo mais do mesmo

Harrison Ford em cena de "Blade Runner 2049" - Divulgação
Harrison Ford em cena de "Blade Runner 2049" Imagem: Divulgação

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

05/10/2017 04h00

Há muitos anos Harrison Ford já garantiu em sua história um feito que talvez nenhum outro ator tenha conseguido: ser o rosto não de um, mas de três entre os personagens mais marcantes da cultura pop de todos os tempos (se você não sabe quem são, talvez precise de um curso de reciclagem imediatamente, mas vou quebrar seu galho: Han Solo, Indiana Jones e Rick Deckard).

Se já não era pouco para alguém que, antes de conseguir o papel do mercenário mais amado de “Star Wars” (1977), trabalhava como carpinteiro porque a profissão de ator não ia bem, quando “Blade Runner 2049” chegar às telas nesta quinta (5), ele terá quebrado outro recorde aos 75 anos: como o ator que mais repetiu grandes papéis, muitos anos depois.

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Mas se normalmente revivals causam narizes torcidos por onde passam, no caso de Ford, ressuscitar antigos personagens provavelmente foi a segunda melhor decisão que ele tomou em toda a sua carreira (depois de aceitar o papel de Solo, claro), que garantiu que ele se livrasse da maldição de filmes ruins na qual estava preso nos últimos anos (alguém lembra de “Destinos Cruzados”, “Firewall” ou “Conexões Perigosas”? Pois é...).

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008) - Divulgação - Divulgação
Indiana Jones foi o primeiro de seus personagens que Harrison Ford ressuscitou, em 2008
Imagem: Divulgação

Depois do auge nos anos 1980, quando ele enfileirou sucessos como “O Império Contra-Ataca” (1980), “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981), “Blade Runner, o Caçador de Andróides” (1982), “O Retorno de Jedi” (1983), “Indiana Jones e o Templo da Perdição” (1984), “A Testemunha” (1985, pelo qual foi indicado ao Oscar), “Uma Secretária de Futuro” (1988) e “Indiana Jones e a Última Cruzada” (1989), a carreira de Ford começou a enfrentar alguns, digamos, tropeços.

Foram anos em que o ator tomou a decisão questionável de emprestar seu rosto para dramas melosos como “Uma Segunda Chance” (1991), no qual tem que recomeçar a vida após um acidente que lhe deixa sem memória; suspenses questionáveis, como “Revelação” (2000), como um professor cuja mulher acredita que a casa onde vivem é assombrada; e aventuras previsíveis, como “Seis Dias, Sete Noites”, em que um piloto (Ford) e uma editora precisam se entender para sobreviver depois de um acidente de avião --todos fracasso de crítica e de bilheteria.

É claro que no meio tempo houve um ou outro filme que merece ser lembrado, como o médico Richard Kimble em "O Fugitivo" (1993), sua versão do agente Jack Ryan em “Perigo Real e Imediato” (1994), ou seu presidente norte-americano de “Força Aérea Um” (1997), que ajudaram a manter a aura de grande estrela mais ou menos viva para Ford durante sua “década perdida”.

Os anos 2000 também passariam incólumes ao charme e ao meio sorriso de Ford se não fosse a volta do arqueólogo mais famoso do cinema em “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”, em 2008. É claro que o longa não é exatamente uma obra-prima, e muitos fãs saíram decepcionados. O chapéu está lá, o chicote está lá, o mau humor está lá, mas falta alguma coisa da magia dos nossos primeiros encontros com Indy, e um final rocambolesco envolvendo aliens no meio da selva também não ajuda muito.

Ainda assim, a bilheteria não decepcionou --foram quase US$ 790 milhões no mundo todo-- e Ford pôde dar os primeiros passos de sua volta por cima.

Carrie Fisher e Harrison Ford em cena de "Star Wars: O Despertar da Força" (2015) - Divulgação - Divulgação
Mal tivemos tempo de matar nossa saudade de Han Solo em "Star Wars: O Despertar da Força" (2015)
Imagem: Divulgação

Foi um caminho longo, com algumas pedras não tão pequenas no meio. “Cowboys & Aliens” (2011) virou quase motivo de piada, e “Conexão Perigosa” (2013) tem uma das médias mais baixas no agregador de críticas Rotten Tomatoes --6%, com críticos dizendo que o suspense high-tech tem “apenas” direção fraca, atuações esquecíveis e uma montanha de clichês na trama.

Mas então o ator finalmente superou seu problema com Han Solo --ao menos desde “O Retorno de Jedi” (1983), Ford vinha demonstrando nenhuma boa vontade com o personagem, que ele queria que terminasse morto e julgava não tão bem desenvolvido quanto Indiana Jones ou o Deckard de “Blade Runner”, que ele lançara no ano anterior-- e decidiu voltar a “Star Wars” em “O Despertar da Força”.

Não sabemos o que fez Ford mudar de ideia, mas com certeza foi uma decisão acertada. Ele conseguiu não só trazer de volta o senso de humor peculiar do mercenário, mas imprimiu o peso necessário a alguém marcado pelo tempo e pelas desilusões com a vida. Solo é o coração do filme, e a trajetória de Rey (Daisy Ridley) não seria a mesma sem ele servindo de guia e lhe passando o bastão. Também é dele a cena mais emocionante do “Episódio 7”, o reencontro com Leia (Carrie Fisher), e a mais dramática --afinal, ninguém queria ter que se despedir novamente dele tão cedo.

Se não poderemos mais rever Han Solo, pelo menos ainda há a promessa de um quinto “Indiana Jones”, talvez para 2020, e a volta de Deckard em “Blade Runner 2049”, dirigido por Denis Villeneuve (“A Chegada”). Embora o novo longa não tenha o mesmo impacto e peso filosófico que o original teve em 1982, ao trazer androides mais humanos que os próprios humanos, a continuação faz jus à atmosfera e às discussões levantadas por Ridley Scott lá atrás.

E, assim como fez com Solo, Ford também consegue nos convencer de que seu ex-caçador de androides passou por muita coisa até nos reencontrar (com mais de uma hora e meia de filme, então é bom segurar a ansiedade). E, sem dar muitos spoilers, é possível que vejamos Deckard mais uma vez em uma possível sequência.

Seria a cereja no bolo de uma carreira que conseguiu não só se reerguer, mas também fez isso através de um artigo bem raro no cinema: revivals que estão à altura dos originais. O único papel que ele talvez devesse aposentar de vez é o de piloto, depois de três incidentes nos últimos anos --um deles bem sério, que quase levou embora o eterno Indy-Solo-Deckard.