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Por que o Globo de Ouro é na verdade a grande "festa da firma" de Hollywood

AP Photo/Matt Sayles
Imagem: AP Photo/Matt Sayles

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

05/01/2018 04h00

Chegamos àquela época do ano que os cinéfilos adoram, a temporada de premiações em que as estrelas vestem seus melhores vestidos e smokings e colecionam estatuetas douradas, que culmina no Oscar e começa com… Se você pensou no Globo de Ouro, na verdade está só meio certo. Sim, a festa da Associação dos Jornalistas Estrangeiros de Hollywood (HFPA, na sigla em inglês ) é tradicionalmente a primeira do ano. Mas seu status como premiação de respeito, bem, esse é bem questionável.

“Mas como pode isso”, você vai me perguntar, “se todas as estrelas estão lá, passa na TV e tudo, e muitas vezes os vencedores são os mesmos que os do Oscar?”. Sim, tudo isso está correto, mas a verdade é que o Globo de Ouro está mais para uma grande “festa da firma” de Hollywood, onde todo mundo vai mais pela diversão do que para conhecer os melhores filmes e séries do ano.

Não entendeu? Eu respondo às suas dúvidas aqui embaixo, mas pode ter certeza de que nada disso vai deixar menos divertida a celebração, que acontece no domingo (7), a partir das 23h (no Brasil, a cerimônia é exibida pelo canal a cabo TNT).

Quem escolhe os vencedores mesmo?

Os eleitores do Globo de Ouro são “cerca de 90” jornalistas membros da Associação dos Jornalistas Estrangeiros de Hollywood, a HFPA. No passado, o site da organização costumava listar um por um, mas hoje em dia há um certo mistério em torno de quem faz parte do clube. E não é tão fácil assim entrar: um novo membro precisa ter pelo menos dois padrinhos e ainda assim pode ter sua candidatura vetada.

E quem são esses caras?

Bem, são jornalistas de vários países do mundo que em geral moram em Los Angeles e arredores e escrevem sobre cinema e TV, mas isso não significa que sejam necessariamente os maiores especialistas no assunto. Os veículos para os quais eles escrevem muitas vezes são, digamos, obscuros (segundo uma reportagem da AFP, entre os votantes de 2017 estavam um ex-fisioculturista russo que se tornou ator, uma ex-Miss Universo sul-africana e um ex-engenheiro egípcio). Entre a comunidade de jornalistas que cobrem o mundo do entretenimento, os membros da HFPA são conhecidos pela idade média elevada e por serem aqueles sempre tirando fotos com as estrelas (embora isso seja cada vez mais comum na comunidade como um todo, em geral é proibido pelos estúdios --menos para os membros da HFPA).

Por quê, então, tantas estrelas aparecem para a premiação?

As estrelas aparecem porque a premiação passa na TV (na rede NBC, uma das principais dos Estados Unidos, e em vários canais mundo a fora). E por que a premiação passa na TV? Porque tem estrelas…

E como os membros da HFPA escolhem os melhores filmes e séries?

Em primeiro lugar, é preciso ter estrelas no elenco --elas são essenciais para a festa e a HFPA adora tê-las por perto. Se for uma Meryl Streep, melhor ainda (ela coleciona 31 indicações e 8 estatuetas), mas vale até uma Angelina Jolie ou um Johnny Depp (“O Turista” foi indicado a melhor filme musical ou comédia, sério…). Mas isso não basta: as estrelas têm que estar dispostas a bajular pessoalmente os jornalistas em almoços, jantares e outros eventos. E embora as categorias sejam divididas entre comédia/musical ou drama, o gênero do filme no fim importa pouco: para acomodar o maior número de estrelas possível, vale até dar uma "roubadinha" e colocar o terror "Corra!" ou a ficção científica "Perdido em Marte" na primeira categoria, como aconteceu este ano e em 2016.

Mas então não é para levar a premiação a sério?

Não, não é bem assim. Apesar de muita gente questionar a transparência das campanhas para ganhar um Globo de Ouro, os membros da HFPA levam seus votos a sério na maior parte do tempo e premiam filmes que também acabam fazendo barulho no Oscar, como “Moonlight” e “La La Land” em 2017. Às vezes eles até acertam mais que a própria Academia, como em 2006, quando premiaram “O Segredo de Brokeback  Moutain” enquanto o Oscar foi para “Crash - No Limite”.

Mas então o Globo de Ouro é uma prévia do Oscar?

Definitivamente não. No máximo a premiação ajuda a aumentar o “hype” dos filmes favoritos aos prêmios da Academia e gera publicidade em torno deles, mas como os eleitores das duas premiações são totalmente diferentes, a influência é apenas indireta. Os prêmios que podem ser chamados de prévia do Oscar são apenas os dos sindicatos das várias categorias que trabalham em Hollywood (atores, diretores, produtores, roteiristas etc.), porque os membros dessas organizações em boa parte são também membros da Academia e votam nas categorias correspondentes do Oscar, além do melhor filme.

Ok, já entendi que tem estrelas e que eles até acertam nos prêmios, mas por que é “festa da firma”?

Por que, diferente do Oscar, o clima costuma ser mais descontraído e divertido. Em primeiro lugar, as estrelas se acomodam ao redor de mesas e jantam --e bebem-- durante as três horas de cerimônia. O que significa que, no final da noite, quando são distribuídos os principais prêmios, acontece de ter gente já mais pra lá do que pra cá, no maior clima “te considero pra ca*****”. Tipo a atriz Emma Thompson subindo no palco com um martíni em uma mão e os sapatos na outra, para anunciar o prêmio de roteiro em 2014.

Então já posso preparar os memes para este ano?

Talvez. 2018 deve ser um ano meio atípico para o Globo de Ouro, porque será a primeira premiação depois das acusações de assédio e abuso sexual que varreram Hollywood e derrubaram gente poderosa, como o produtor Harvey Weinstein, o diretor Brett Ratner e o ator Kevin Spacey. As atrizes --e alguns atores-- vão vestir preto em protesto contra essa cultura predatória e não é nada arriscado dizer que o apresentador Seth  Meyers deve destilar muitas ironias sobre o assunto durante a cerimônia. Então, o clima este ano deve ficar bem mais sério do que de costume, com grandes chances de saias justas.