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Série baseada em Philip K. Dick é mais do que um "Black Mirror" da Amazon

Bryan Cranston é uma das estrelas da série da Amazon "Electric Dreams" - Divulgação
Bryan Cranston é uma das estrelas da série da Amazon "Electric Dreams"
Imagem: Divulgação

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

16/01/2018 04h00

Philip K. Dick, o nome por trás dos livros que basearam "Blade Runner" e "Minority Report", foi um dos mais prolíficos escritores da ficção científica. As mais de 40 obras, explorando universos alternativos, inteligência artificial e distopias autoritárias, perduram até hoje como influência na cultura pop. E só agora --finalmente-- uma produção abraçou a versatilidade do autor no formato que mais pode lhe fazer justiça: a antologia.

A série "Electric Dreams" estreou no Amazon Prime Video na última sexta-feira (12) com dez contos de Dick, adaptados em episódios independentes com cerca de 50 minutos cada. Ironicamente, a produção chega duas semanas depois da quarta temporada de "Black Mirror", série que bebe nas mesmas fontes.

É inevitável comparar as duas produções. Ambas se assemelham em formato e, em determinados momentos, se rendem aos mesmos temas. Mais do que isso, elas têm origem em comum: o britânico Channel 4, que foi o lar de "Black Mirror" antes que a série fosse arrematada pela Netflix e, agora, trouxe "Electric Dreams" à vida em parceria com a Amazon e a Sony Pictures.

Cena do episódio "The Commuter", da série da Amazon "Electric Dreams" - Divulgação - Divulgação
"The Commuter" é o episódio mais comovente da nova série
Imagem: Divulgação

Mas a série baseada na obra de Dick é mais do que um "Black Mirror da Amazon". Com universo heterogêneo, "Electric Dreams" é um exercício de ficção científica que explora de forma abrangente a diversidade que o gênero tem a oferecer: há desde críticas políticas até viagens espaciais e dramas familiares, o que torna a série interessante ainda que nem todos os episódios estejam no mesmo nível de qualidade.

No que se refere aos temas centrais, as duas séries funcionam como faces opostas de uma mesma moeda. Enquanto a trama de Charlie Brooker criada para "Black Mirror" se preocupa com o uso aterrador que a humanidade faz da tecnologia, a produção baseada na obra de Dick investiga o que significa ser humano em um universo dominado por tecnologias avançadas --um reflexo das questões filosóficas e existenciais presentes nos escritos originais do autor. Não por acaso, os episódios mais fortes são os que mais se aprofundam nesse aspecto, como "Human Is" e o comovente "The Commuter".

Para levar essas histórias à tela, um time de peso foi recrutado pelos criadores Ronald D. Moore ("Outlander") e Michael Dinner ("Anos Incríveis"). Estão no elenco Anna Paquin ("True Blood"), Timothy Spall ("Harry Potter"), Richard Madden ("Game of Thrones"), Vera Farmiga ("Bates Motel"), Janelle Monàe ("Estrelas Além do Tempo") e Bryan Cranston ("Breaking Bad"), que também é um dos produtores da atração.

Roteiro e direção ficaram a cargo de outros nomes importantes da TV, como Alan Taylor ("Game of Thrones"), Dee Rees (que foi aposta da Netflix ao Oscar com "Mudbound") e Jeffrey Reiner ("Fargo" e "The Affair"). Em muitos casos, eles modernizaram as histórias de Dick para torná-las mais adequadas ao nosso século 21. "Safe and Sound", por exemplo, se passava originalmente na Guerra Fria, mas foi modificada para falar sobre o clima de paranoia pós-11 de setembro.

O resultado não é sempre consistente: enquanto há episódios muito bons, outros poderiam ter desenvolvido melhor suas histórias e seus personagens, como "Crazy Diamond", capítulo confuso estrelado por Steve Buscemi. Ainda assim, "Electric Dreams" é uma ótima alternativa para fãs de ficção científica que cansaram de "Black Mirror".

Os dez episódios:

"Real Life"

A história traz Anna Paquin como uma policial que, enquanto lida com um grande trauma, usa um dispositivo de realidade virtual para tirar férias de sua vida. Nesse outro universo, ela é um homem, George (Terrence Howard), que também lida com uma perda. Os limites entre o que é real e o que é simulação ficam cada vez mais borrados, em um suspense instigante. É baseada no conto "Exhibit Piece", de 1954.

Juno Temple e Janelle Monae em de "Autofac" - Divulgação - Divulgação
Juno Temple e Janelle Monae em de "Autofac"
Imagem: Divulgação

"Autofac"

Os Estados Unidos foram devastados por uma guerra nuclear, mas uma fábrica completamente automatizada continua funcionando a todo vapor, mesmo que não tenha mais ninguém para consumir seus itens e que ela esteja poluindo todo o ambiente ao seu redor. Um dia, um grupo de rebeldes liderados por Emily (Juno Temple) resolve desligar a fábrica com suas próprias mãos. Antes, porém, eles têm de lidar com a androide Alice (Janelle Monàe), enviada da empresa para discutir com eles. As duas atrizes entregam performances cativantes na trama, baseada em um conto homônimo de 1955.

"Human Is"

Bryan Cranston estrela este episódio como Silas, um militar que maltrata a mulher, Vera (Essie Davis). Após participar de uma missão arriscada em um planeta vizinho e perder boa parte de sua tripulação, ele retorna diferente, gentil e afetuoso. Será a mesma pessoa? A história é bem fiel ao conto publicado por Dick em 1955 --e é também uma das melhores da série.

"Crazy Diamond"

Regime opressor, consciências fabricadas, humanos artificiais, consumismo, mudanças climáticas, seres híbridos: tudo isso está no episódio, que não dá conta de desenvolver nenhum desses aspectos satisfatoriamente. A história, baseada em "Sales Pitch" (1954), é centrada em Ed (Steve Buscemi), um homem que trabalha em uma fábrica responsável por produzir os humanos sintéticos, conhecidos genericamente como Jacks e Jill. A chegada de uma Jill (Sidse Babett Knudsen) em busca de ajuda muda drasticamente sua rotina.

Cena do episódio "The Hood Maker", da série da Amazon "Electric Dreams" - Divulgação - Divulgação
Richard Madden estrela "The Hood Maker"
Imagem: Divulgação

"The Hood  Maker"”

Em um mundo pós-tecnológico, as pessoas comuns estão em pé de guerra com mutantes telepatas que conseguem ler mentes --e não ajuda nada que o governo ditatorial agora liberou que as habilidades desses últimos sejam usados, sem limites, pela polícia. Nesse contexto, o agente Ross (Richard Madden) ganha como parceira a telepata Honor (Holliday  Grainger), mas o trabalho dos dois é ameaçado quando um homem desconhecido começa a distribuir toucas que impedem a ação dos mutantes. A química entre Madden e Grainger é uma das melhores coisas do episódio, que também tem uma bela fotografia e um drama interessante. Ele é baseado em um conto homônimo de 1955.

"Safe and  Sound"

O conto satírico "Foster, You're Dead", de 1955, serviu como base para essa história de paranoia política. No original, um adolescente pressiona o pai a comprar um bunker para se proteger de um ataque da União Soviética. Na série, o foco foi da Guerra Fria para o terrorismo, que serve de justificativa para que todos os adolescentes sejam rastreados por um dispositivo disponível para compra. A protagonista é a jovem Foster Lee (Annalise Basso), recém-chegada à capital de um Estados Unidos profundamente dividido.

"The Father Thing"

Com ar de "Stranger Things", este episódio divertido é baseado em um conto homônimo de 1954. Ele segue Charlie (Jack Gore), um menino que começa a suspeitar que seu pai (Greg Kinnear) tenha sido substituído por uma réplica.

"Impossible Planet"

Em um futuro bem distante, os guias turísticos Norton (Jack Reynor) e Andrews (Benedict Wong) comandam um cruzeiro espacial quando recebem um pedido incomum: Irma (Geraldine Chaplin), uma senhora à beira da morte, quer conhecer a Terra, de onde seus avós vieram. Apesar de saberem bem que o planeta já não existe mais, os dois aceitam fazer a jornada. O resultado da história, inspirado por um conto de 1953, é irregular.

"The Commuter"

O melhor episódio da temporada é, ironicamente, o que menos envolve tecnologia. Assim como no conto de 1953, um funcionário de uma estação de metrô (Timothy Spall) é surpreendido quando uma mulher misteriosa (Tuppence Middleton) tenta comprar um bilhete para uma estação que não existe. Ao seguí-la, ele acaba em uma cidade que não consta nos mapas e tem sua vida transformada. A história emociona, com uma ajudinha da performance comovente de seu protagonista.

"Kill All Others"

Em um mundo alienado pela automatização, as eleições ocorrem com apenas um único partido. Quando a única candidata (Vera Farmiga) incentiva a população a "matar todos os outros", Philbert (Mel Rodriguez) fica em choque --principalmente porque ninguém mais a seu redor parece se importar com isso. A situação piora quando aparecem grandes placas com o slogan e um homem enforcado. A trama é inspirada em "The Hanging Stranger", de 1953, e faz uma clara alegoria política aos dias de hoje.