Em "Solo", Abujamra faz confissões amargas sobre a vida
SÃO PAULO (Reuters) - A certa altura, ainda no começo do filme "Solo", o solitário personagem diz para a câmera (ou para a plateia do cinema): "Revelar qualquer coisa sobre si mesmo é feio."
Pode até não ser uma boa ideia, mas o protagonista, vivido por Antonio Abujamra, pouco se importa sobre isso e, ao longo dos pouco mais de 70 minutos do filme, fará muitas revelações, muitas confidências sobre si mesmo. O filme estreia nesta sexta-feira, no Espaço Unibanco de Cinema, em São Paulo.
"Solo", roteirizado e dirigido por Ugo Giorgetti ("Boleiros", "O Príncipe"), é um filme de um único personagem, mas não é samba de uma nota só. Apenas um homem diante da câmera, falando o tempo todo, enquanto atrás dele são projetadas imagens do fotógrafo Bruno Giovannetti, que nem sempre estão relacionadas com o discurso do personagem.
TRAILER DO FILME ''SOLO"
Abujamra, conhecido por seu trabalho como ator, diretor de teatro e entrevistador, é na tela um misto de mau humor, ironia e sarcasmo. Ele começa falando sobre o peso da idade, descreve sua pele envelhecendo, a dificuldade de alcançar o pé para calçar uma meia, percebe que se tornou "um animal antiqüíssimo". Mas, no fundo, nada disso o impede de fazer comentários lúcidos sobre o mundo que o cerca e o estado das coisas.
"Me recuso a acreditar em fantasias de qualquer espécie", declara o personagem. Mas o discurso nem sempre condiz com os fatos. Memórias do passado acabam se confundindo com delírios, sonhos, desejos. Isso ocorre quando ele começa a pensar nas fotografias de sua infância que desapareceram. É como se sua vida anterior tivesse sumido.
O tom confessional, aliado aos comentários acidamente sarcásticos, faz lembrar o narrador-defunto de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis.
Aliás, a frase final do romance caberia muito bem ao protagonista de "Solo": "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria."
No filme, o personagem fala da miséria contemporânea, especialmente aquela que doma o espírito das pessoas no século 21, nas quais somos transformados em números (de telefones, de senhas, de documentos) e consumidores ("quem não consome precisa ser exterminado").
A solidão para o personagem de Abujamra é por opção. "Decidi me colocar voluntariamente em exílio." Fechado em casa, ele não se relaciona com quase ninguém, não consome e diz que "queria ser um Conde de Monte Cristo senil que quer dar bengaladas nos cães".
"Tento de alguma forma impor minha vontade, mas é difícil", sentencia o personagem.
Giorgetti e Abujamra já haviam trabalhado juntos em "Festa" (1989), que lhe rendeu o prêmio de melhor ator no Festival de Gramado daquele ano. Aqui, o diretor sabe que tem um grande ator diante das câmeras, que mal parece estar interpretando, mas, sim, abrindo o seu coração. Como na maioria das confissões, fazê-las é penoso, assisti-las também não é uma tarefa fácil (tanta é a entrega do personagem-ator). Mas, ao final, pode vir a leveza de quem tirou um peso da alma.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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