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Polanski volta ao suspense com "O Escritor Fantasma"

Kim Cattrall e Ewan McGregor em cena de ""The Ghost Writer", de Roman Polanski - Divulgação
Kim Cattrall e Ewan McGregor em cena de ''The Ghost Writer", de Roman Polanski Imagem: Divulgação

27/05/2010 18h23

SÃO PAULO - Em "O Escritor Fantasma", que estreia em circuito nacional, há uma tensão calma e silenciosa, que cresce aos poucos, na medida certa, sem se render a sangue, barulhos, sustos ou qualquer artifício.

Roman Polanski volta ao melhor de sua forma, como em "Faca na água", "Repulsa ao Sexo", "O bebê de Rosemary" e "Chinatown". Aqui, o diretor faz um jogo hitchcockiano tanto na aparência quanto na forma. A direção sóbria e eficiente valeu-lhe o prêmio na categoria no Festival de Berlim de 2010.

TRAILER DO FILME "O ESCRITOR FANTASMA"

O personagem-título, cujo nome nunca se saberá, é interpretado por Ewan McGregor que, como fez em "Os homens que encaravam cabras", encarna novamente o ingênuo útil. Ele é um escritor medíocre com um único livro no currículo, a biografia de um mágico chamada "Vim, Serrei e Conquistei".

Sem passado, sem família e praticamente sem amigos, ele é a pessoa certa para retomar a biografia abandonada de um ex-primeiro-ministro inglês, Adam Lang (Pierce Brosnan). A função do escritor não é apenas colher o depoimento e passá-lo para o papel, mas "limpar" a vida do político, mantendo sua boa imagem.

Ah, alguém mencionou que o escritor que trabalhava no mesmo livro foi encontrado morto numa praia? Essa é a primeira imagem do filme e, até a sua conclusão, ameaçará várias vezes se repetir. O protagonista reinicia o trabalho abandonado e, quando termina a leitura do calhamaço, faz uma careta. O livro é chato e ele quer dar mais ritmo ao texto e produzir uma grande obra. Talvez tenha se esquecido de que não foi contratado para pensar, mas para anotar e digitar.

O ex-primeiro-ministro e sua mulher, Ruth (Olivia Williams, de "O sexto sentido"), sua secretária, Amelia (Kim Cattrall, de "Sex and the city"), e uma comitiva de seguranças ficam numa casa à beira-mar num pequeno vilarejo da costa dos Estados Unidos. Enquanto isso, na Inglaterra, o passado político obscuro de Lang vem à tona - especialmente fatos envolvendo referências ao Iraque, tortura e a CIA. O que não parece mera coincidência com o mundo real.

O que também não deve ser uma referência gratuita é um possível paralelo entre o exílio do primeiro-ministro e a condição de Polanski em prisão domiciliar na Suíça, aguardando a decisão sobre sua extradição para os Estados Unidos, onde é acusado de ter violentado uma adolescente cerca de 30 anos atrás.

Para piorar a situação, há poucas semanas, uma atriz de seu filme "Piratas" (1985) acusou-o de um suposto abuso sexual. Grupos de manifestantes ficam na porta da casa de Lang com cartazes dizendo "procurado". Nada mais metafórico do que isso para a condição de Polanski.

A verdade é que parece irresistível tanto para Polanski quanto para qualquer outra pessoa a possibilidade de reescrever sua vida da forma mais conveniente - como faz o primeiro-ministro. As investigações independentes do escritor, no entanto, levam-no a descobertas que colocam em risco a sua própria vida.

A trilha sonora de Alexandre Desplat evoca os acordes daquelas que Bernard Herrmann criou para os filmes de Hitchcock, criando uma atmosfera de suspense e mistério, colaborando com o filme ao enfatizar aparentes banalidades do trabalho do escritor e da vida do político. Já as interpretações são na medida certa, criando personagens com densidade e sagazmente dirigidos.

Brosnan nunca esteve tão confortável diante de uma câmera. Lang é um personagem execrável, mas ao mesmo tempo sedutor com sua fala tranquila, capaz de convencer até o mais sério dos escritores a vender a sua alma.

O roteiro de "O escritor fantasma" baseia-se num romance de Richard Harris e foi adaptado pelo autor e pelo próprio Polanski. Com este filme, o diretor penetra na essência do ser humano, no que ele é capaz de fazer para alcançar seus objetivos.

Às vezes, bastam coisas simples e nobres, como sobreviver, como mostra em "O Pianista"; ou manter-se honesto mesmo diante uma infância cruel, como "Oliver Twist". Em outras oportunidades é preciso mergulhar fundo na condição humana, o que nem sempre é um passeio agradável, mas que pode gerar um excelente filme nas mãos da pessoa certa - como nas de Polanski.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb