''Comer, Rezar, Amar'' aposta no carisma de Julia Roberts
SÃO PAULO - Há um grande contraste em "Comer, Rezar, Amar": em alguns momentos, a protagonista Liz Gilbert arrisca muito em suas opções pessoais; sua intérprete, Julia Roberts, ao contrário, não arrisca nada neste papel em que ela não tem muito esforço a fazer. Dirigido por Ryan Murphy (das séries "Nip/Tuck" e "Glee"), o filme estreia em circuito nacional.
Inspirado na trama supostamente autobiográfica de Elizabeth Gilbert, o filme trata das aventuras da escritora de sucesso de livros de viagem quando deixa o marido, Stephen (Billy Crudup, de "Watchmen - O Filme").
Depois de oito anos, envolve-se com um ator mais jovem e dado ao misticismo hindu (James Franco, de "Homem-Aranha") e arremata a virada por uma longa viagem de um ano, entre Itália, Índia e Bali.
Na verdade, a viagem representou muito menos uma aventura do que parece, já que, na vida real, a autora financiou-a com um adiantamento pelo futuro livro -- e que tirou a sorte grande ao se tornar um bestseller lançado em cerca de 30 países, inclusive no Brasil.
Julia pode ter-se identificado com a personagem, enxergando o alto potencial da história para se tornar um veículo para sua volta a um papel feminino de alto impacto.
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Depois de um tempo cuidando dos três filhos pequenos, Julia já tinha voltado ao cinema como uma espiã em "Duplicidade" (2009). A verdade é que, para ela, interpretar Liz Gilbert não representa nenhum desafio.
No papel da divorciada em crise de identidade, a atriz apenas precisa de seu arsenal de rotina para obter uma esperada boa bilheteria. Que até agora não foi assim tão impressionante.
Nos Estados Unidos, até o último fim de semana (24 a 26 de setembro), o filme tinha acumulado cerca de 79 milhões de dólares, recuperando com alguma folga o orçamento estimado em 60 milhões de dólares.
A falta de elementos realmente novos está em todos os detalhes da história. Embora não seja assim tão comum uma mulher bem-sucedida jogar para o alto um casamento estável, como faz Liz com o apaixonado Stephen, nem por isso sua personagem chega a ser uma heroína feminista.
Com roteiro assinado pelo diretor Ryan Murphy e por Jennifer Salt, a ação decola quando Liz desembarca na Itália.
ITÁLIA
Essas viagens da protagonista preenchem a função de encher os olhos do espectador -- não faltam belas paisagens, com direito a todos os cartões postais que uma Roma ensolarada pode oferecer.
Nem tudo a respeito dos romanos é real, muito menos positivo. Liz aluga um quarto numa velha casa na capital italiana que nem água quente tem: para um banho morno, ela precisa esquentar a água numa chaleira no fogão, em plenos anos 2000.
A imprensa italiana chiou bastante, alegando que isso poderia ter ocorrido, no máximo, durante a Segunda Guerra Mundial, há mais de 60 anos.
Os clichês de praxe sobre a Itália estão todos lá: homens conquistadores e bons vivants, todo mundo envolvido no dolce far niente, ou seja, na boa e velha vagabundagem. E o que mais se faz é comer... Haja espaguete!
ÍNDIA
A passagem pelo país é a parte mais chata. Fica difícil acreditar no engajamento de Liz no misticismo hindu, morando numa espécie de mosteiro.
Lá, Liz limpa o chão, acorda de madrugada para meditar e leva broncas de outro americano amargurado, Richard (Richard Jenkins, de "Queime Depois de Ler") -- o que parece mais uma temporada no inferno do que uma jornada em busca da paz interior.
BALI
Finalmente, chega o capítulo do amor, na paradisíaca Bali, que Liz já visitou antes, conhecendo o seu velho guru, Ketut (Hadi Subiyanto).
Nesta segunda viagem, a coisa começa mal, com Liz sendo atropelada quando andava de bicicleta, por um distraído brasileiro, Felipe (Javier Bardem, de "Vicky Cristina Barcelona"). Um acidente que se transforma, mais tarde, em namoro firme entre dois divorciados.
Para nós brasileiros, causam estranheza o sotaque sofrível do ótimo ator Bardem quando arranha algum português e a afirmação, feita por Liz a partir de conversas com o namorado, de que por aqui é normal e corriqueiro que os pais beijem os filhos na boca.
Enfim, o forte de "Comer, Rezar, Amar" não é mesmo um retrato fiel dos países que visita.
BRASIL
A melhor coisa sobre o Brasil é incorporar à trilha música e músicos de alta qualidade, fazendo uma ponte com a Bossa Nova.
Estão lá "Samba da Benção", de Vinicius de Moraes e Baden Powell, na voz de Bebel Gilberto, e "Wave", de Tom Jobim, cantada por João Gilberto. O cantor baiano, aliás, é ouvido também interpretando 'S Wonderful, de George & Ira Gershwin, com arranjo de Gilberto.
Ao final da projeção -- um tanto longa, já que o filme tem 140 minutos -- fica a sensação de que faltou muita coisa. A ação fica excessivamente centrada na protagonista e sua interminável crise de identidade, que dura tempo demais.
Os clichês sobre as pessoas e povos que ela encontra terminam por comprometer a credibilidade toda da história, por mais que se permita piadas e licenças poéticas.
No final, Liz parece apenas percorrer as etapas previamente demarcadas de um roteiro de autoajuda, superficial como todos. Sorte da escritora Elizabeth Gilbert, que deve estar rindo à toa com o sucesso mundial do livro e agora do filme.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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