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Woody Allen agrada à crítica, mas não o chame de sentimental

09/06/2011 21h43

Por Christine Kearney

NOVA YORK, EUA - "A vida é barulhenta e complicada", diz um diálogo da nova comédia romântica "Meia Noite em Paris", uma clássica tirada cínica de Woody Allen.

Mas o filme não é mais uma comédia de erros do diretor. Os críticos descrevem seu trabalho mais recente como "agradável", "um suflê" e "doce", este último um elogio que seus fãs de longa data talvez achem impróprio.

Allen tem 75 anos e frequentemente enchia seus roteiros anteriores com tiradas irônicas sobre tudo, desde relacionamentos fracassados até sexo e crises da meia-idade. Estará o diretor ficando sentimental na velhice? Nada disso, diz ele.

"Não, simplesmente foi a ideia que tive naquele momento", afirmou ele à Reuters em entrevista concedida esta semana em seu escritório modesto na Park Avenue, em meio a caixotes, uma assistente sorridente e nenhum sinal de um divã de analista.

"As pessoas acham que há algum plano por trás disso, mas não há. É uma tentativa desesperada de ter uma ideia para que você possa ganhar seu salário nesse ano", disse ele em tom tipicamente irônico, falando de seu filme mais recente. Woody Allen sempre fez sucesso na Europa. Mas elogios desse tipo por parte de críticos americanos são incomuns.

TRAILER DO FILME ''MEIA-NOITE EM PARIS''

Sempre do contra, Allen rejeita a ideia de que isso signifique que os norte-americanos finalmente estejam preparados para perdoá-lo por seus deslizes passados, especialmente o escândalo de seu relacionamento e casamento com Soon-Yi Previn, filha adotiva de sua antiga parceira de anos, Mia Farrow. "Me apaixonei por essa garota, me casei com ela, estamos casados há quase 15 anos e temos filhos", disse Allen.

"Isso terá destaque grande em meu obituário e o deixará mais colorido. Não serei lembrado apenas como advogado analfabeto, um rapaz judeu insosso que trabalhou duro e não criou problemas. Pelo menos houve algum problema, algum escândalo suculento em minha vida", brincou.

Em sua primeira homenagem real à Cidade-Luz, "Meia Noite em Paris" começa com imagens tão clichê que poderiam ter sido clicadas por um turista norte-americano, o que, diz Allen, é exatamente o objetivo, com o protagonista, representado por Owen Wilson, como uma encarnação improvável do próprio Allen.

Wilson é um roteirista bem sucedido de Hollywood, que, enquanto se esforça para concluir seu primeiro romance e procura respostas na vida, é transportado para a década de 1920 e tem encontros com personalidades como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. O filme trata da questão da nostalgia, e Allen conclui que seu eu eternamente pessimista - ou realista - teria sido o mesmo em qualquer era.

"Se você é uma pessoa infeliz, por qualquer razão - o que se aplica a praticamente todo o mundo -, então um deslocamento geográfico ou no tempo não vai resolver sua situação", declara. Allen é tão pouco sentimental que nunca assiste a seus filmes depois de prontos e ironiza as cerimônias que homenageiam seus filmes passados, dizendo que "vivem no passado da maneira mais lúgubre".

Ele ainda escreve numa máquina de escrever antiga e vê algumas vantagens no fato de ser tecnófobo: é pouco provável que enfrente alguns dos problemas modernos que levam outras pessoas a dar assunto aos tablóides. "Nunca mandei torpedos sexuais a ninguém. Nem consigo mandar um torpedo. Logo, não tenho condições de fazer 'sexting'", ele disse.

O homem que certa vez disse que foi expulso da universidade depois de fraudar uma prova de metafísica, olhando dentro da alma do aluno ao lado, ainda está preocupado com um de seus temas cômicos favoritos, a mortalidade, mas não se importa com seu legado.

Allen diz que é sua incapacidade de bloquear o medo da morte que impulsiona seu ritmo de trabalho prolífico: mais de 40 longas feitos nos últimos 45 anos.

"Você pode desviar sua atenção da morte com esportes, com sexo, colecionando selos, qualquer obsessão que seja. Em meu caso, é o trabalho. Eu desvio minha atenção trabalhando muito, tocando clarinete e fazendo coisas que não têm sentido real nenhum, mas me mantém ocupado".