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Com a inglesa Tilda Swinton, "Um Sonho de Amor" renova esperanças do cinema italiano

18/08/2011 14h41

Há um clima de Luchino Visconti em "Um Sonho de Amor", drama de Luca Guadagnino. E começa no local da história, a Milão onde o elegante diretor de "Rocco e seus Irmãos" (1960) e "O Leopardo" (1963) nasceu, viveu e trabalhou.

Existem várias outras homenagens explícitas de Guadagnino ao mestre milanês - como a presença de Marisa Berenson (atriz de "Morte em Veneza") e de membros de sua família, os nobres Di Modrone, no elenco.

A melhor parte é que Guadagnino, um diretor até aqui pouco conhecido - no Brasil teve lançado "100 Escovadas Antes de Dormir" (2005) - faz justiça à ambição que se espera deste nível de homenagem. E realiza um filme elegante e denso, que foi indicado, em 2011, ao Oscar de figurino.

Numa grande mansão em Milão, vive o clã Recchi, de ricos industriais têxteis. Os Recchi vivem o momento delicado de uma sucessão. O velho patriarca (Gabriele Ferzetti) termina por indicar dois substitutos na condução do negócio da família, o filho Tancredi (Pippo Delbono) e o neto Edoardo (Flavio Parenti).

O jantar de aniversário em que o avô anuncia sua decisão torna a enorme casa e seu funcionamento tão personagens do filme quanto a família que a habita. Há uma engrenagem imensa e multifacetada, liderada nos bastidores por uma matriarca incansável, Emma (Tilda Swinton), a mulher de Tancredi.

Discreta e dedicada, Emma fala pouco mas é onipresente para que nenhum detalhe escape ao controle. Ela é essencial à felicidade de seus homens - o marido e os dois filhos, que, apesar de adultos, são tratados como mimadas crianças. No entanto, parece apagar-se, inclusive nas cores e no talhe do figurino, não fazendo notar seus sentimentos. Ela é a base de uma estrutura que não domina e parece não aspirar mais do que a satisfazer seus senhores.

TRAILER DO FILME ''UM SONHO DE AMOR''

Esse mundo ordenado e plácido começa a rachar justamente nesse aniversário. É quando irrompe na vida dos Recchi a figura de Antonio (Edoardo Gabbriellini), um jovem chef de cozinha que ganhou uma corrida de Edoardo e tornou-se, ironicamente, um de seus melhores amigos.

Edoardo torna-se sócio de Antonio num restaurante em San Remo, onde o jovem chef testa suas receitas. Numa visita ao novo negócio do filho, Emma descobre sabores que parece nunca ter experimentado. A dureza da mulher de gelo quebra-se para sempre.

A fotografia de Yorick Le Saux (da minissérie "Carlos") nunca deixa por menos na delicada construção dos climas amorosos cada vez mais quentes entre Emma e Antonio - uma cena que retrata os dois no campo remete a "Lady Chatterley", o filme da francesa Pascale Ferran inspirado em D. H. Lawrence, aliás, uma referência implícita no roteiro, assinado por Guadagnino, Barbara Alberti, Ivan Cotroneo e Walter Fasano (este, também montador).

A natureza da paixão de Emma pelo amigo do filho é por demais disruptiva para se imaginar um final feliz. Apesar de sua inequívoca vocação para a tragédia em grande estilo, no entanto, o filme sustenta um notável equilíbrio dramático que permite sorver cada momento do embate entre razão e emoção que explode no coração de Emma.

No centro de tudo está a presença carismática de Tilda Swinton, uma atriz em plena maturidade que desdobra cada minúcia de suas personagens com uma riqueza de camadas que se torna um prazer enorme acompanhá-la. Ela brilha impecavelmente aqui, como em outro filme inédito no Brasil, "We Need to Talk About Kevin", como a mãe de um adolescente serial killer. Espera-se que o filme de Lynne Ramsay chegue às telas brasileiras. "Um Sonho de Amor" demorou mais felizmente chegou.

Outra figura marcante no elenco feminino é da atriz Alba Rohrwacher - conhecida no Brasil por filmes como "Meu Irmão É Filho Único" e "Que Mais Posso Querer". Aqui ela interpreta Elisabetta, a única filha de Emma, uma jovem tímida e ignorada pelo clã, que experimenta um despertar paralelo ao da mãe, só que num caso homossexual.

(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb