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Drama chileno "Dawson Ilha 10" enfoca campo de concentração da ditadura de Pinochet

Cena do filme chileno "Dawson Ilha 10", de Miguel Littin - Divulgação
Cena do filme chileno "Dawson Ilha 10", de Miguel Littin Imagem: Divulgação

24/11/2011 08h10

SÃO PAULO (Reuters) - Indicado para representar o Chile na disputa por uma vaga do Oscar de filme estrangeiro em 2010, o drama "Dawson Ilha 10", de Miguel Littin, coproduzido com o Brasil e a Venezuela, detalha um dos episódios mais aterradores da ditadura chilena - a prisão e o exílio dos ministros do deposto presidente Salvador Allende, em 1973, na gelada ilha Dawson, no sul do país, que se transforma num campo de concentração.

Baseado nas memórias de Sergio Bitar, ex-ministro de Minas do governo Allende, o filme evolui com sobriedade e detalhismo documental, retratando as precárias condições dos prisioneiros. A primeira atitude para despojá-los da dignidade pessoal ocorria imediatamente na chegada, quando cada um deles era obrigado a abrir mão do próprio nome, adotando a denominação de seu alojamento e um número. "Ilha 10" era a designação que cabia a Bitar (Benjamín Vicuña).

Amontoados em poucos e precários barracões, os prisioneiros chegaram a 400, já que aos ministros somaram-se auxiliares e militantes do governo deposto. Tiveram todos que defrontar-se com a dureza do clima, extremamente ventoso e frio, além de alimentação insuficiente e maus-tratos, com interrogatórios frequentes. A assistência médica inexistia, inclusive para os próprios militares, que, quando doentes, recorriam aos presos que eram médicos.

O mais desesperador era o isolamento, a impossibilidade de receber notícias de fora, fosse dos próprios familiares (que não sabiam se os parentes estavam vivos ou mortos) ou do próprio país. Qualquer ferramenta de comunicação, por mais simples que fosse, como um lápis, era disputada, tornando-se mercadoria de alto valor.

Quem consegue um inesperado acesso aos lápis é o arquiteto Miguel Lawner (interpretado pelo ator brasileiro Bertrand Duarte, de "Alma Corsária"). Ex-diretor da Companhia de Melhoria Urbana, Lawner interessa-se pelo restauro de uma antiga capela na ilha, conseguindo autorização do comandante para fazer um projeto da obra.

Munido de lápis e papel, o arquiteto realizou uma série de desenhos, retratando os companheiros e suas precárias condições de vida, que acabaram sendo clandestinamente entregues a parlamentares alemães que os visitaram, em 1974.

Com o tempo, outros recursos tornam-se possíveis, e os presos se apoderam clandestinamente de um rádio. O que lhes permite ter mais tristes notícias, como a morte do poeta Pablo Neruda - dando ocasião a uma bela sequência, em que o luto é celebrado ouvindo-se a leitura de seus poemas transmitidos através do oceano.

Habilmente, o experiente diretor Littin (de "Atas de Marúsia" e "Ata Geral do Chile") evita a armadilha de um maniqueísmo militante, mostrando situações em que mesmo alguns militares, ainda que muito poucos, demonstram seu desconforto com a situação de algozes de civis presos sem processo formal. Como um jovem soldado que conversa com os prisioneiros e um sargento que divide um lanche com um deles.

Esta pequena brecha de humanidade não diminui o impacto da série de crimes cometidos contra esta população carcerária.

Um caso exemplar foi o do ex-ministro da Defesa, José Tohá (Pablo Krögh). Subalimentado e sucumbindo às péssimas condições da prisão, caiu gravemente doente, o que não o dispensou de novos interrogatórios. Transferido para Santiago, Tohá foi morto num hospital militar, em março de 1974, divulgando-se uma falsa autópsia atestando seu suicídio.

No final de 1974, o campo de Dawson foi fechado. Mas restaram muitos outros, porque a ditadura chilena estava bem longe do fim, que só ocorreu em 1990.

(Neusa Barbosa, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb