Topo

Vencedor de um Globo de Ouro, drama iraniano "A Separação" aborda volatilidade da verdade

Os atores Leila Hatami e Peyman Moadi no filme "A Separação", dirigido por Asghar Farhadi - Habib Madjidi/Sony Pictures Classics via The New York Times
Os atores Leila Hatami e Peyman Moadi no filme "A Separação", dirigido por Asghar Farhadi Imagem: Habib Madjidi/Sony Pictures Classics via The New York Times

Neusa Barbosa

Do Cineweb, em São Paulo

19/01/2012 11h14

Em "Rashomon", filme do japonês Akira Kurosawa que ganhou o Leão de Ouro em 1951, as impressões sobre um crime variavam ao sabor dos relatos de cada um dos implicados - contando-se inclusive com a versão do fantasma da vítima. A mesma volatilidade sobre a verdade emerge, numa chave completamente diferente e atual, no drama iraniano "A Separação", de Asghar Farhadi.

O filme venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim 2011 e também acumulou as premiações de melhor ator e atriz, divididas entre suas duas duplas de protagonistas. Também ganhou o Globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira.

Sem reduzir-se a um drama de tribunal, as duas tramas do admirável roteiro, assinado pelo diretor, esbarram num sistema judicial que evidencia a existência de um Estado autoritário, teocrático e machista, num contexto em que o poder de decisão dos personagens parece a cada momento escapar-lhe das mãos.

A história começa, abrupta e sem antecedentes, numa corte, em que o casal de classe média formado pela médica Simin (Leila Hatami) e o bancário Nader (Peyman Moadi) discute seu divórcio. Simin quer deixar o país e levar a filha única de 11 anos, Termeh (Sarina Farhadi). Nader alega que não pode abandonar o pai (Ali-Asghar Shalbazi), que sofre de Alzheimer.

Desprezando a petição de Simin, o juiz nada resolve. O casal se divorcia e Simin ruma para a casa da mãe, permanecendo num impasse, já que a filha fica com o pai. Depois, contrata-se uma empregada, Razieh (Sareh Bayat), para cuidar do sogro.

Ultra-devota, Razieh entra em conflito com suas tarefas cotidianas, que incluem trocar e banhar o patrão idoso. Outros problemas familiares afloram. Seu marido, Hodjat (Shahab Hosseini), está desempregado e ela tem que levar para o trabalho a filha pequena (Kimia Hosseini). Um dia, Nader chega mais cedo em casa e descobre o pai sozinho e amarrado na cama.

Por ter supostamente causado o aborto da empregada depois de um empurrão, Nader acaba processado. A partir deste novo round jurídico, emerge uma meticulosa discussão sobre a elaboração da verdade.

O espectador do filme acompanha, com o coração aos pulos, a oscilação das próprias emoções ao sabor do que cada um sabe e diz. O clima de pesadelo kafkiano poderia tornar-se exaustivo, porque apoiado em tantas discussões. O filme salva-se deste perigo pela montagem segura do drama, que regula a conta-gotas revelações cruciais sobre os incidentes, num desenrolar sinuoso, que certamente também procura driblar a vigilante censura no Irã.

Fechando seu foco naquilo que é essencial à natureza humana, acima das diferenças sociais, econômicas e culturais, "A Separação" torna-se aflitivamente universal.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb