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"Caminho para o Nada" renova carreira de cineasta que produziu primeiro filme de Tarantino

O ator Tygh Runyan em cena do filme "Caminho para o Nada", de Monte Hellman - Divulgação
O ator Tygh Runyan em cena do filme "Caminho para o Nada", de Monte Hellman Imagem: Divulgação

Neusa Barbosa

Do Cineweb, em São Paulo

16/02/2012 11h46

Verdadeiro outsider em Hollywood, o veterano cineasta norte-americano Monte Hellman ("Iguana - A Fera do Mar", "A Vingança de um Pistoleiro") foi um dos descobridores de Quentin Tarantino ao produzir "Cães de Aluguel" (1992), que deslanchou sua carreira.

Dezoito anos depois, como presidente do júri do Festival de Veneza, em 2010, Tarantino retribuiu a gentileza inventando um segundo Leão de Ouro especial pelo conjunto de sua obra, no ano em que Hellman, nascido em 1932, participava pela primeira vez de uma competição, com o experimental "Caminho para o Nada" - seu primeiro filme produzido em 21 anos e um trabalho tão inventivo que, na entrevista coletiva, mesmo seu elenco confessou não tê-lo entendido.

Não é para menos. Em poucas palavras, "Caminho para o Nada", que estreia em São Paulo, trata de uma viagem metalinguística em torno da filmagem de uma história envolvendo um duplo suicídio. Obcecado pelo crime, um diretor, Mitchell Haven (Tygh Runyan) preocupa-se com a precisão nos mínimos detalhes, até mesmo optando pelo lugar real dos acontecimentos, na Carolina do Norte, como sua locação. Ele escolhe como protagonista uma jovem estreante, Laurel Graham (Shannyn Sossamon, do seriado "Moonlight"). E ela é a cara da mulher fatal do crime real, Velma Duran.

A filmagem é conturbada, tanto pelas obsessões do diretor, que caminham rumo ao apagamento da fronteira entre ficção e realidade, quanto pela participação de alguns outros personagens. Caso de uma blogueira, Nathalie Post (Dominique Swain, a "Lolita" de Adrian Lynne), e um investigador de seguros, Bruno Brotherton (Waylon Payne), que tem uma agenda própria para ficar por perto do set de filmagens.

Que a mistura de todos os elementos do roteiro de Steven Gaydos - também jornalista da "Variety" - guarde semelhança com o universo de David Lynch, não será mera coincidência. Mas o diretor Hellman quer bem mais do que tocar o terreno das obsessões que movem seus personagens, cada um a seu modo. O aspecto mais interessante deste filme, com certeza, está na metalinguagem.

Quando "Caminho para o Nada" começa, os créditos correspondem ao filme dentro do filme, ou seja à produção estrelada por Laurel Graham e dirigida por Mitchell Haven - os nomes ficcionais dos atores. Na primeira sequência, a blogueira mostra ao cineasta um outro filme num computador. Ou seja, os olhares se engolem uns aos outros, em visões e versões sobrepostas dos fatos.

As referências cinematográficas também marcam presença. Mitchell mostra a Laurel cenas de alguns de seus filmes favoritos, como "O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman; "O Espírito da Colmeia", de Victor Erice; e "As Três Noites de Eva", de Preston Sturges. Numa fala que pode muito bem refletir o pensamento do próprio Monte Hellman, através de seu alter ego Mitchell, este comenta: "Nenhum cineasta gosta de comentar a quantos filmes assistiu, pois lhe desagrada admitir quanto tempo passou observando os sonhos dos outros".

Também não falta ironia ao longo da história, como quando os produtores do filme cogitam escalar Leonardo DiCaprio e Scarlett Johansson, o que é descartado pelo esnobe Mitchell - uma nítida piada do roteiro aos meandros de Hollywood, que o alternativo Hellman conhece tão bem e sem ilusões a esta altura da vida.

Sobre a eventual dificuldade de compreensão de "Caminho para o Nada", o próprio Hellman invocou, na coletiva de Veneza, o poeta e cineasta francês Jean Cocteau. Segundo ele, Cocteau dizia que uma obra de arte deve ser "difícil de tocar". Por isso, precisaria ser revisitada muitas vezes, o que certamente é o que merece este seu filme criativo e poderosamente intrigante.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb

TRAILER DE "CAMINHO PARA O NADA"