Vida de birmanesa escolhida como Nobel da Paz em 1991 é relembrada em "Além da Liberdade"
Poucas pessoas ostentam uma biografia mais merecedora de um filme do que a militante birmanesa Aung San Suu Kyi, Prêmio Nobel da Paz em 1991, e lutadora incansável pela democratização de seu país, a antiga Birmânia, desde 1989 rebatizada como Mianmar.
BIOGRAFIA DIGNA DE LONGA-METRAGEM
A líder birmanesa Aung San Suu Kyi é interpretada no filme pela atriz e bailarina malaia Michelle Yeoh
A homenagem a essa mulher, que passou 15 anos em prisão domiciliar e renunciou à vida familiar em prol da política, concretiza-se em "Além da Liberdade", do diretor francês Luc Besson, estrelado pela atriz malaia Michelle Yeoh.
Rosto conhecido de filmes como "O Tigre e o Dragão" (2000), a atriz desassocia-se muito bem desse passado de trabalhos de artes marciais e ação para compor esta heroína tranquila, mas com fibra de aço, cuja grande força é psicológica -- um desafio para uma interpretação interiorizada, que Michelle Yeoh consegue superar sem sobressaltos.
O mesmo não se pode dizer de Luc Besson. Há vários anos mais dedicado à produção, o diretor, que sempre esteve muito à vontade em trabalhos de ação ou ficção científica, como "Nikita - Criada para Matar" (1990) e "O Quinto Elemento" (1997), não escapa das muitas armadilhas das cinebiografias clássicas e edificantes, derrapando mais de uma vez no novelão.
Estes tropeços acontecem especialmente pela opção sentimental de Besson em centrar muito do fôlego do filme na relação entre Aung Suu Kyi e seu marido inglês, o professor Michael Aris (David Thewlis).
O roteiro da novata Rebecca Frayn traça um breve panorama do passado da protagonista, filha de um herói da independência birmanesa dos ingleses, Aung San, assassinado quando a filha era criança, em 1947. O ano marca o início de uma ditadura militar que se prolongaria por décadas no país.
Educada na Inglaterra, Aung Suu Kyi casou-se com Aris, tendo dois filhos, Kim (Jonathan Raggett) e Alex (Jonathan Woodhouse), que são adolescentes em 1988, quando ela retorna para sua terra devido à doença de sua mãe.
A expectativa é que se trate de uma viagem breve. Mas, justamente aí, a até então pacata dona de casa foi conquistada pelo movimento libertário de seu país, escudada no carisma de seu pai e tornando-se, por isso, a candidata ideal para liderar a Liga Nacional pela Democracia, então engajada em eleições.
Uma limitação com que o filme tem de lidar é a persistência de um cenário único, já que a militante, cujo partido vence aquelas primeiras eleições, é posta em prisão domiciliar.
TRAILER LEGENDADO DE "ALÉM DA LIBERDADE"
A saída encontrada, nem sempre do melhor modo, é colocar o marido mais no centro do drama, acompanhando seus esforços, quase sempre frustrados, de enfrentar a burocracia de Mianmar, que nega a eles e aos filhos os vistos de entrada que solicitam para ver Aung Suu Kyi.
A arbitrariedade do governo de Mianmar, que tenta assim forçar a militante a deixar definitivamente o país, esmagando a resistência que se organiza em torno dela, custa a separação da família - um dilema com que Aung Suu Kyi também se debate.
Se o preço pessoal pago pela líder certamente interessa ao filme, como também o admirável apoio sempre mantido pelo marido, nem por isso a história deveria deter-se tanto aí. A insistência custa uma duração excessiva: mais de duas horas de projeção.
Nada a criticar na interpretação do ator inglês David Thewlis, um dos melhores trunfos da produção. É que ao apostar tanto no sentimentalismo, em vários momentos o recurso acaba transformado em um peso, que prejudica o ritmo da narrativa e a estatura política da personagem -- cujo contexto fica um tanto esquecido.
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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