Canções de Roberto Carlos embalam road movie brasileiro
Um road movie pode ser o gênero mais eficiente para discutir a transitoriedade entre o ser e o estar. A estrada é o intermediário entre essas duas condições. No caso de "À beira do caminho", seu protagonista, João (João Miguel, de "Xingu"), não "é" um motorista de caminhão, ele "está" motorista de caminhão. E, como flashbacks mostram, há um motivo sério. Cair na estrada pode ser uma catarse, a superação de uma dor, enquanto a chegada é o novo estado, a redescoberta de si.
Dirigido por Breno Silveira ("2 Filhos de Francisco"), o filme tem como ponto de partida – e, na verdade, meio e ponto de chegada também – canções de Roberto Carlos. O título é inspirado pelo nome de uma música que, embora não esteja no filme (não foi liberada pelo cantor), tem seus versos ecoando fortes nas entrelinhas: "Preciso acabar logo com isso, preciso lembrar que eu existo". O título do longa, porém, não se limita a essa interpretação: aponta também para as margens, para os elementos que João acumula ao longo de suas duas jornadas, a física, nas estradas do Brasil, e a espiritual.
A dicotomia do ser e estar reaparece quando se pensa na estrada como um referencial na vida do protagonista. Para a maioria das pessoas, a estrada é apenas o meio do processo que será concluído com a chegada. No caso de João, que vive em fuga, a estrada é sua casa.
O elemento mais forte, o catalizador de suas mudanças, é o pequeno Duda (Vinicius Nascimento), menino que perdeu a mãe e foge para São Paulo em busca de um pai que nunca conheceu, dele só tendo um retrato e um endereço. Muito se disse, em 1998, quando foi lançado "Central do Brasil", de Walter Salles, que somos um país em busca de um pai. Aqui, a metáfora pode caber de novo, quase 15 anos depois. Há pontos de contato entre os dois filmes - mas tanto Walter Salles quanto Breno Silveira possuem objetivos próprios. Em "À Beira do caminho", o foco é mais intimista, é uma jornada pessoal.
De certa forma, o que está à beira do caminho é mais rico do que a estrada asfaltada. O reencontro com um ex-amor da juventude, Rosa (a grande Dira Paes), começa a delinear melhor o conflito que consome João. Os personagens nunca entram prontos na história. Tanto ela, quanto Duda, ou mesmo dona Maria do Carmo (Denise Weinberg) revelam-se aos poucos e, na medida em que se entregam, descobre-se por eles a vida de João.
Na voz de Roberto Carlos, há quatro músicas que ele liberou para o filme em suas gravações originais – "A distância", "O portão", "Amigo" e "Outra Vez" – e são estas que dão o tom ao filme e à jornada do caminhoneiro. Assumidamente emotivo, o longa não se intimida em suscitar lágrimas – até porque não haveria motivo para se acanhar disso.
O diálogo estabelecido com as canções está mais no tom do que no sentido literal. Evidentemente, não há nenhum cachorro que "sorri latindo" quando o caminhoneiro retorna, mas a melancolia da casa na qual as pessoas parecem tocar a vida – porque não têm outra coisa para fazer enquanto esperam – é uma imagem que corresponde com a mesma força aos versos de "O portão".
Muitas outras músicas de Roberto podem não estar explicitamente no filme, mas são a força motriz da trama e dos personagens. Afinal, João é apaixonado pelas canções do Rei. Poder-se-ia dizer que "Estupidez" ("sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo") ou "Detalhes" ("detalhes tão pequenos de nós dois são coisas muito grandes para esquecer") retratam os amores que ele viveu. Mas é em "É preciso saber viver" que o recado é dado. E Roberto não podia estar mais coberto de razão.
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