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Cópia restaurada de "Cabra Marcado Para Morrer", de Eduardo Coutinho, chega a SP

Cena de "Cabra Marcado para Morrer" (1984), de Eduardo Coutinho - Divulgação
Cena de "Cabra Marcado para Morrer" (1984), de Eduardo Coutinho Imagem: Divulgação

Neusa Barbosa

Do Cineweb*

13/09/2012 10h25Atualizada em 14/09/2012 02h41

A produção "Cabra Marcado Para Morrer", lançada por Eduardo Coutinho em 1984, é por muitas razões um filme que virou mito. Grande, inesquecível e imperdível, o longa volta a circular com cópia restaurada, em São Paulo, a partir desta sexta-feira (14).

Quando o projeto começou, no início dos anos 1960, pensava-se numa obra de ficção, em que camponeses encenariam uma história real: a do líder João Pedro Teixeira, fundador da Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado a mando de latifundiários em 1962.

  • Arquivo UOL

    Documentário aclamado de Eduardo Coutinho é relançado com cópia restaurada em São Paulo

O projeto foi atravessado pela vida e pela história mais de uma vez. Quando finalmente o cineasta Eduardo Coutinho teve os recursos para a filmagem, produzida pelo Centro Popular de Cultura da UNE e o Movimento de Cultura Popular, em Pernambuco, já corria o ano de 1964.

As filmagens foram interrompidas pela ditadura que baixou sobre o país, houve imagens e câmeras perdidas, membros da equipe presos ou fugitivos. Uma parte do material filmado milagrosamente se preservou. Os percalços colocaram "Cabra Marcado Para Morrer" no território da lenda.

A obra sobreviveu a peripécias que, caso pertencessem à ficção, pareceriam inventadas: latas de filme escondidas debaixo da cama de um general, o pai do cineasta David Neves; negativos salvos por terem sido enviados para revelação no Rio e ocultos na Cinemateca do MAM sob um título falso, "A Rosa do Campo".

Mais dramática do que a história do próprio filme, sem dúvida, foi a diáspora imposta pela ditadura à família do líder assassinado -- sua mulher, Elizabeth Teixeira, também usou nome falso para fugir rumo ao interior do Rio Grande do Norte, carregando apenas um dos 11 filhos. Os demais foram entregues aos cuidados do avô e dos tios, espalhando-se depois por vários estados brasileiros.

Na cópia agora impecavelmente restaurada da produção concluída em 1984, reencontram-se os vários momentos desta longa e trágica saga, símbolo das incertezas e contradições da nação, mas também testemunho da resistência de seus habitantes e de seus artistas.

  • Arquivo UOL

    Cena do documentário "Cabra Marcado Para Morrer", lançado originalmente em 1984

Por muitas razões, o filme tornou-se um marco, inclusive inaugural da carreira do mais famoso documentarista do Brasil. Uma delas é a maneira como os vários tempos convivem dentro da trama -- as imagens restantes do filme inicial de 1964; as sucessivas retomadas do projeto, pela teimosia de Coutinho, no início dos anos 80, após a abertura política proporcionada pela anistia de 1979; e agora, em 2012, as cores reencontradas na restauração, o som audível como nunca.

Nos sobressaltos que interrompem as filmagens, seja em 1964, seja no início dos anos 1980, a narrativa encontra um fio, reassentando as dores, as cicatrizes e afirmando a sobrevivência não só de seus personagens e diretor, como a do próprio filme, que assume em seu discurso os percalços e hesitações.

Se por nada mais fosse precioso, como de fato é, "Cabra Marcado Para Morrer" mereceria o adjetivo por condensar com tal autenticidade as dimensões individual, política e afetiva de todos os envolvidos. E assim atravessa a fronteira em que o documentário se torna vida e se transforma, ele mesmo, em História.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb