"Boca" faz biografia do bandido Hiroito Joanides e resgata memória de centro velho de SP
A cinebiografia "Boca", sobre Hiroito de Moraes Joanides, não deixa de ser um cuidadoso retrato de um ambiente e de uma época. Dirigido por Flávio Frederico, o longa conta a história de um dos mais famosos criminosos da história de São Paulo. A estreia da produção nacional está prevista para esta sexta-feira (28), apenas na capital paulista.
Pronto há dois anos e premiado em dois grandes festivais nacionais -- Festival do Rio de 2010 e Cine PE de 2012 --, o drama custou a chegar aos cinemas brasileiros.
Ironicamente, "Boca" foi distribuído no exterior para 15 países antes de retornar ao Brasil, revelando o gargalo do circuito cinematográfico nacional, que afeta particularmente a produção local.
Com interpretação empenhada de Daniel de Oliveira na pele de Hiroito, o filme foi roteirizado por Mariana Pamplona e pelo próprio diretor e foi feito a partir de uma autobiografia do personagem.
O longa traça o perfil de um homem violento e contraditório. Filho de uma família de origem grega e de um pai que admirava o último imperador japonês, Hiroito teve boa formação cultural. Mesmo após a entrada precoce na vida do crime, o personagem continuou como fiel fã de literatura, com preferências que iam de Charles Baudelaire a Jack London.
A trajetória apresenta paralelos com as tragédias gregas, como a acusação de que teria assassinado o próprio pai -- o que ele sempre negou. Mas foi na chamada Boca do Lixo, no centro velho da capital paulistana, que Hiroito estabeleceu sua fama, dominando a lucrativa exploração do baixo meretrício e do tráfico de drogas da região com um estilo impiedoso para lidar com os rivais e inimigos. Vários assassinatos rechearam sua ficha policial, que se estendia por dezenas de páginas.
Filmado em boa parte no centro histórico de Santos, amparando-se na bela fotografia de Adrian Teijido, "Boca" define os limites do mundo claustrofóbico de Hiroito, desfrutando de luxo em sua casa ao lado da mulher e ex-prostituta Alaíde (Hermila Guedes, de "O Céu de Suely"), mas também vivendo boa parte do tempo como fugitivo.
Na pele do delegado Honório (Paulo César Pereio), cristaliza-se a figura de um policial corrupto, que prefere usufruir dos frequentes subornos a prender Hiroito -- o que faz, de vez em quando, para manter as aparências.
O auge e declínio do personagem faz de "Boca" um filme de perfil. Belas sequências visuais, como a que retrata Hiroito quando menino observando a versão adulta pela janela de um automóvel, são particularmente eficientes para humanizar o personagem, sem satanizá-lo ou muito menos endeusá-lo.
Flávio Frederico conseguiu resgatar -- mesmo com ficção -- o acervo rico de histórias que ainda assobram o centro velho de São Paulo, assim como fizera durante seu primeiro longa: "Urbânia"(2001).
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