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Premiado em Berlim, "Tabu" marca originalidade do novo cinema lusitano

Neusa Barbosa

Do Cineweb*

27/06/2013 12h45

Numa cinematografia esparsa como a portuguesa, em que está firmemente plantado o nome do multipremiado diretor Manoel de Oliveira, o cineasta Miguel Gomes inscreve-se como um dos mais criativos representantes do cinema contemporâneo daquele país. Especialmente a partir de "Tabu", seu terceiro longa, que saiu do Festival de Berlim 2012 com um merecido prêmio de inovação artística, o Alfred Bauer, além do troféu da Fipresci (Federação Internacional dos Críticos de Cinema). O filme estreia em São Paulo e Rio de Janeiro.

Filmado num esplêndido preto-e-branco, um requintado trabalho do diretor de fotografia Rui Poças, "Tabu" parte de um roteiro assinado por Gomes ("Aquele Querido Mês de Agosto") e Mariana Ricardo para traçar uma fascinante e algo onírica reflexão sobre o tempo, o passado, a memória e as múltiplas possibilidades da sobrevivência, não só dos sentimentos e da espécie humana, mas do próprio cinema.

Um intrigante prólogo apresenta um explorador europeu que sucumbe à melancolia, depois da morte da mulher, jogando-se num rio dominado por um crocodilo. Um segmento que nada tem de gratuito, este início antecipa um comentário que se expandirá adiante, sobre as contradições do colonialismo, que marca de maneira tão profunda a história de Portugal.

TRAILER DE FILME PORTUGUÊS "TABU"

A primeira parte do filme, intitulada "Paraíso Perdido" e filmada em formato 35 mm, passa-se na Lisboa dos dias atuais e tem como personagens a velha viúva Aurora (Laura Soveral), sua empregada cabo-verdiana, Santa (Isabel Ribeiro), e a vizinha Pilar (Teresa Madruga).

Solitária, abandonada pela única filha, que mora no exterior, Aurora sofre de perda de memória, instabilidade emocional e impulsos, como o de correr para o cassino, apostando o pouco dinheiro que tem nas mãos. À afetuosa vizinha Pilar, Aurora conta histórias fantasiosas e desconfia de Santa, a quem atribui seus males, dizendo que ela a enfeitiçou.

A morte de Aurora traz à cena um velho amigo desta, Ventura (Henrique Espírito Santo) -e que revela a Pilar um passado surpreendente da viúva, que teve com ele um romance proibido, há 50 anos, quando ambos moravam em Moçambique.

Este passado, retratado na segunda parte, "Paraíso", é filmado em 16mm, conferindo à imagem uma granulação essencial à atmosfera da narrativa de fatos há muito acontecidos, cuja memória desapareceria se Ventura não os trouxesse de novo à vida. Sem diálogos, esta parte tem narração do velho Ventura.

  • Divulgação / Espaço Filmes

    Cena do filme "Tabu", do diretor português Miguel Gomes

Na fazenda africana, Aurora (neste segmento interpretada por Ana Moreira), leva uma existência confortável, casada com um rico proprietário (o ator brasileiro Ivo Müller) e servida por dezenas de empregados -cujo estranhamento diante dos hábitos dos patrões europeus sinaliza o choque cultural que pontua a relação de dominação e está no centro de uma futura rebelião.

A chegada do italiano Gian Luca Ventura (Carloto Cotta) e do amigo Mário (Manuel Mesquita), um ex-padre que virou músico, rompe a rotina. Tornando-se presença constante na fazenda, de onde o marido de Aurora se ausenta em frequentes viagens, Ventura envolve-se com Aurora, numa paixão de graves consequências.

Emprestando o próprio título de um clássico do cinema mudo, o "Tabu" (1931) do alemão F. W. Murnau -que igualmente abordava um amor proibido-, Miguel Gomes remete à dualidade entre passado e presente, atendo-se ao cinema de película e ao preto-e-branco que se anunciam como em extinção diante do iminente domínio do digital.

E o faz compondo uma obra de fina e densa dramaturgia, com momentos de humor e poesia, demonstrando um domínio de narrativa que assinala a maturidade artística do diretor.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb