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"Repare Bem" revê história de sobreviventes da ditadura no Brasil

Neusa Barbosa

Do Cineweb*

22/08/2013 15h59

A atriz e cineasta portuguesa Maria de Medeiros demonstra uma sensibilidade especial na condução do documentário "Repare Bem", que resgata a história de sobrevivência de Denise Crispim e sua filha, Eduarda Ditta Crispim Leite, mulher e filha do militante da luta armada Eduardo Leite, o "Bacuri", morto aos 25 anos, depois de 109 dias de tortura, em 1970. O filme estreia em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Salvador e Curitiba.

Vencedor de três prêmios no Festival de Gramado, incluindo o de melhor filme da seção estrangeira para o júri e os críticos, "Repare Bem" expõe detalhes assustadores não só do martírio de Eduardo, como de torturas inflingidas a Denise na mesma época. Grávida, a militante foi colocada na jaula de uma fera no zoológico de São Paulo, que o guardião noturno foi forçado a abrir para os militares que a mantinham prisioneira.

TRAILER DO DOCUMENTÁRIO "REPARE BEM"

Se a história já foi objeto de investigação e indenização, a partir do trabalho da Comissão da Verdade -- o que é inclusive mostrado no filme --, é fato que o documentário permite ir mais longe no perfil da família.

Aquele que é um verdadeiro clã de resistentes políticos inclui os pais de Denise, o deputado comunista José Maria Crispim, que viveu exilado fora do Brasil; sua mulher, a operária Encarnación, presa política que deixou diários detalhados de uma vida marcada por sacrifícios; e também o outro filho deste casal, Joelson Crispim, morto por sua militância na luta armada, em 1970.

Os diários de Encarnación foram, inclusive, descobertos no processo de produção do documentário e estão agora sob estudo para uma publicação, com a mediação de Maria de Medeiros.

  • Divulgação / Filmes da Mostra

    Cena do documentário "Repare Bem" com Eduarda, filha da militante Denise Crispim

Atriz com mais de 100 filmes internacionais no currículo e diretora de títulos relevantes -- como o sensível "Capitães de Abril" (2000), em que ela, então com 34 anos, se arriscou a retratar a Revolução dos Cravos de 1975 --, Maria mostra sutileza no filme a partir de um visível processo de confiança mútua com seus personagens.

Optando por uma montagem ditada pela palavra -- Denise Crispim é uma narradora muito eloquente --, Maria esconde-se atrás de uma direção discreta, abrindo mão de qualquer estetização. Um dos poucos luxos permitido está na abertura do filme: um trecho de "Um Dia Muito Especial", de Ettore Scola, já que o prédio usado no filme é o mesmo onde mora Eduarda. O apartamento foi comprado em parte com a indenização recebida do Brasil.

Se a reparação oficial pela morte de Eduardo Leite já foi feita, a punição dos seus carrascos e de Joelson continua em aberto, o que ainda move Denise a lutar,  desde que voltou a morar no Brasil, logo após o exílio na Itália. Salta aos olhos que o maior objetivo do filme é ser um instrumento para que a memória destes fatos não se perca.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb