Bastidores de famoso cabaré francês são tema do documentário "Crazy Horse"
Instituições são o foco preferencial do premiado documentarista norte-americano Frederick Wiseman. Aos 83 anos, com uma longa carreira iniciada em 1967, ele já percorreu os corredores de hospitais psiquiátricos ("Titicut Follies"), cortes de justiça ("Juvenile Court"), escolas ("High School"), dissecando também temas espinhosos, como moradia e violência doméstica em "Public Housing" e "Domestic Violence", ou aparentemente singelos, como o recente "Academia de Boxe".
Temas mais amenos, como a arte, não escapam ao faro de Wiseman, para expor os mecanismos de sustentação por trás do mundo do espetáculo, o que fez com a Comédia Francesa e o Ballet da Ópera de Paris, e agora igualmente experimenta com um dos cabarés mais famosos do mundo, o parisiense Crazy Horse -- cujo slogan apregoa que mantém o melhor show de striptease do mundo.
Quando o documentário "Crazy Horse", que estreia nesta sexta (25) no Rio, foi exibido pela primeira vez, no Festival de Cannes 2011, houve quem estranhasse e até torcesse o nariz. Afinal, o octogenário documentarista antes somente havia se voltado aos templos da dita alta cultura.
Assistindo a "Crazy Horse", percebe-se que o faro e o foco de Wiseman não mudaram. Revelando, como é mesmo inevitável, os espetaculares e perfeitos corpos das dezenas de bailarinas do cabaré --cujo processo de seleção é, compreensivelmente, dos mais exigentes--, o documentarista não faz mais do que mostrar o patrimônio mais precioso de uma implacável máquina, de uma verdadeira linha de montagem que segue à risca a máxima de que o show não pode parar.
A vida das moças não é nada fácil. Elas devem treinar exaustivamente as longas coreografias deste que é um dos shows mais caros de Paris e que, para manter o conceito da casa, deve mudar periodicamente.
Esta renovação está a cargo de diretores, coreógrafos e diretores artísticos, cujos conflitos a câmera indiscreta do documentário surpreende, no bom e velho estilo "mosca na parede" -- ou seja, incorpora-se à paisagem como se ali não estivesse, limitando ao mínimo possível sua interferência naquilo que captura.
Aos poucos, o documentário diz ao que veio, tornando o espectador cúmplice desta câmera que percorre os bastidores de um mundo que guarda uma imagem algo secreta, algo profana, mas que é, na verdade, um mecanismo por vezes sufocante, um microcosmo, como outros, onde a vaidade e a inveja brotam não raro com mais energia do que o companheirismo e a solidariedade. Será este, talvez, o preço do sucesso.
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