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Claire Denis focaliza desagregação familiar no drama "Bastardos"

Neusa Barbosa

Do Cineweb*

24/10/2013 15h16

Contrariando seus hábitos, a diretora francesa Claire Denis ("Minha Terra, África") trabalhou rapidamente no roteiro de seu novo filme, "Bastardos", uma história que ela assina a quatro mãos com Jean-Pol Fargeau. O filme estreia em São Paulo nesta sexta-feira (25).

Esta urgência de alguma forma se exprime em cada fotograma deste drama duro, exibido na seção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2013, em que se expõem as vísceras de uma família em desagregação. O dramaturgo carioca Nelson Rodrigues estaria à vontade aqui.

O estopim para a ação é o suicídio de Jacques (Laurent Grévill), dono de uma fábrica de sapatos em falência iminente. Poder-se-ia supor que se trata de mais uma vítima da renitente crise econômica europeia. A condição de vítima, dele e de outros personagens, no entanto, será cada vez mais posta em questão nesta narrativa que disseca os limites da responsabilidade e do autosacrifício, compondo um relato sem concessões, riscado a faca.

Depois da morte do cunhado, seu grande amigo, o comandante naval Marco Silvestri (Vincent Lindon) abandona o mar e a estabilidade de uma vida um tanto solitária para cuidar da irmã, Sandra (Julie Bataille), e da sobrinha, Justine (Lola Créton) - jovem que foi encontrada vagando pela rua, nua e ensanguentada, com indícios de consumo de drogas e violência sexual.

Sandra culpa um rico industrial, Édouard Laporte (Michel Subor), pela tragédia que se abateu sobre a família. Marco segue sua pista, envolvendo-se com a amante de Laporte, Raphaëlle (Chiara Mastroianni). Um romance mais do que arriscado.

Uma história puxa o fio de outra, aos solavancos. Claire Denis conduz sua narrativa por elipses, ora mostrando, ora omitindo detalhes, jogando com o tempo, enredando os fios num labirinto profundamente moral. É uma reflexão impiedosa a que a diretora faz sobre a família, a impossibilidade da inocência, a degradação. Pouco se salva, talvez nada, sob seu olhar cético ao extremo.

Por outro lado, "Bastardos" é o tipo de filme que pode comprovar - se é que necessária esta comprovação - que Lola Créton ("Depois de Maio") é uma das mais promissoras atrizes da nova geração. Sua personagem frágil e desvairada é um símbolo vivo da disfuncionalidade da modernidade.

Chiara Mastroianni, por sua vez, está enfim num papel à sua altura, fugindo um pouco das muitas "louquinhas" que tem vivido, em filmes como "Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar". Vincent Lindon ("Bem-Vindo") habita um protagonista que é um homem para todas as estações, mas não dispõe de todas as informações de que precisa.

Não será detalhe a desprezar que a história se localize no coração de uma elite econômica, aspecto que, sem discurso, fala por si. Se esta é uma elite, que será de nós.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb