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Em "Ninfomaníaca - Parte 1", Von Trier mistura erotismo, culpa e humor negro

Neusa Barbosa

Do Cineweb*

09/01/2014 14h39

A primeira polêmica envolvendo "Ninfomaníaca - Parte 1", novo filme de Lars Von Trier, antes mesmo que o filme seja exibido, envolve a notícia, divulgada pelo distribuidor brasileiro, de que a versão que está sendo lançada aqui é a que foi cortada pelos produtores, com autorização de Lars Von Trier, mas sem sua participação. O filme estreia nesta sexta-feira (10) nos cinemas.

A versão sem cortes vai ser divulgada em primeira mão pelo Festival de Berlim, em fevereiro. Como de costume, o marketing precede à obra, no mais puro estilo do premiado diretor dinamarquês.

Então, do que Von Trier quer falar aqui? De erotismo, sexualidade extrema e culpa, em primeiro lugar. Porque Joe (Charlotte Gainsbourg), a protagonista, socorrida por um homem que a encontrou ferida na rua, Seligman (Stellan Skarsgaard), conta-lhe exaustivamente suas aventuras sexuais, sob o peso de uma grande culpa. É o olhar de uma mulher entrando na maturidade, de uma masoquista ou de uma depressiva egocêntrica?

A sexualidade em "Ninfomaníaca - Parte 1" raramente parece realmente livre, exuberante. É geralmente marcada por um traço sórdido --como a sequência em que a jovem Joe (a estreante Stacy Martin) procura perder a virgindade com um rapaz que tem uma moto, Jerôme (Shia La Beouf), numa oficina suja, numa situação em que ela parece ter procurado ser objeto e vítima, não uma curiosa parceira de prazer.

Aliás, por mais que procure o sexo, Joe parece fazê-lo mecanicamente, não demonstrando qualquer euforia. Mais do que tudo, essa atitude é que dá a pista de sua compulsão.

Não é a primeira vez que Von Trier coloca suas personagens femininas em situações degradantes, sexuais ou não, como aconteceu por exemplo, em "Ondas do Destino" (96), "Dogville" (2003) e "Anticristo" (2009).

Naqueles filmes, como em "Ninfomaníaca", explode também o lado perverso e provocador do diretor, além de um senso de humor cada vez mais feroz --e que se manifesta com todo seu brilho e causticidade numa sequência que envolve a sra. H (Uma Thurman), seus filhos pequenos, seu marido que fugiu para viver com a jovem Joe e um jovem amante desta que chegou no meio do imbróglio.

Ao recontar as aventuras de Joe adolescente e a amiga B (Sophie Kennedy Clark), numa louca competição entre as duas para saber qual delas transaria com mais homens em banheiros de um trem --em troca da prosaica recompensa de um saco de bombons--, Trier mostra, novamente, seu cinismo --que, por excessivo, retira um pouco da humanidade de suas personagens. O que não acontecia em "Ondas do Destino" e "Dogville", filmes de escrita mais elaborada.

Alguns dos raros momentos em que Joe mostra sentimentos é ao lado do pai (Christian Slater). Ela deixa clara uma relação tóxica com a mãe (Connie Nielsen), um indício de um psicologismo um tanto óbvio na composição da personalidade da protagonista.

Por outro lado, Seligman oferece um contraponto, como um intelectual solitário, vivendo num apartamento despojado, de aparência monástica, fazendo referências a Edgar Alan Poe, Thomas Mann, à "Bíblia", à matemática, à música clássica, diante do relato picante e melancólico de Joe.

Apesar de algumas cenas bem explícitas, a segunda parte, com estreia brasileira prevista, em princípio, para março, deve superar a primeira parte nesse aspecto. Esta primeira, aliás, é bem mais falada do que se poderia imaginar. É pela palavra que Joe reconstitui a própria vida, procurando castigo ou absolvição. Ou talvez, compreensão.

Atenção: O trailer abaixo contém imagens impróprias para menores de 18 anos.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb