"O Menino e o Mundo" faz crítica ao capitalismo em desenho lúdico
Premiado no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo de 2013, "O Menino e o Mundo", de Alê Abreu ("Garoto Cósmico") é um filme único --seja pela sua estética, seja pelo tema ou pela abordagem.
Ao contrário da histeria e dos exageros de tantas animações recentes, aqui se prima por uma estética minimalista, que ganha ainda mais vida com seu colorido vibrante.
Escrito, dirigido e montado por Abreu, o longa acompanha a jornada do Menino à procura do pai que saiu de casa em busca de melhores condições de vida para a família.
É um filme, claro, para o público infantil --mas não apenas. Há o lúdico, o ingênuo e engraçado, que vai falar direto às crianças. Mas é também um filme político, pois na trajetória do protagonista atravessam-se os diversos estágios que o capitalismo conheceu ao longo dos séculos.
O enredo começa com a família morando numa pequena fazenda, onde plantam para consumo próprio. O Pai, a Mãe e o Menino vivem uma vida simples, mas repleta de carinho e música.
Quando surge a ideia de produção --que envolve patrão e empregado-- esse pequeno paraíso desaba. A ida do Pai para a cidade é um sintoma da industrialização, do trabalho assalariado, da mecanização e repetição do gesto de trabalho, e, também, do aumento da exploração.
A cidade ao mesmo tempo se moderniza e evolui desgovernadamente, precisando lidar com as consequências. A cada novo estágio da produção, novos problemas surgem, o que inclui a perda da individualidade, até culminar no mundo globalizado, onde o centro explora a periferia em nível mundial.
O ponto de vista do filme nunca abandona o olhar ingênuo do Menino, que assiste a tudo sem compreender direito todas as implicações. No entanto, essa lacuna é suprimida pelo público (especialmente adulto), capaz de compreender o significado mais amplo de cada cena.
Da dialética entre o Menino e o Mundo surge o enfrentamento, num primeiro momento. Ao mesmo tempo, é esse próprio mundo que está sendo destruído com o avanço do capitalismo.
Nesse momento, rompe-se o lúdico e entram em cena momentos documentais de filmes como "Iracema", de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, "ABC da Greve" e "Ecologia", ambos de Leon Hirszman, mostrando a degradação ambiental, estágio máximo a que chega a distopia futurista retratada no filme. Porém, é claro, fala-se do presente, e, nesse sentido, o filme serve com um sinal de alerta para as crianças.
Praticamente sem diálogos --algumas frases são faladas de trás para frente, como o nome do protagonista Oninem-- os sons são fundamentais para contribuir na expressão dos sentimentos e na evolução da trama.
O garoto guarda uma memória do pai --o som que ele produzia com uma flauta, e é essa lembrança que o guia na busca. A trilha sonora, composta por Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, conta com a participação de Emicida, Naná Vasconcelos, GEM - Grupo Experimental de Música e Barbatuque.
As escolhas ousadas e arriscadas do diretor e sua equipe mostram sua razão de ser a cada cena --como outra coisa impressionante, o uso do branco. Com "O Menino e o Mundo", Abreu fez um pequeno milagre, um manifesto necessário e instigante que merece ser duradouro e visto por crianças e adultos também de muitas gerações por vir.
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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