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"Ela" faz retrato melancólico da tecnologia dominando laços afetivos

Alysson Oliveira

Do Cineweb*

13/02/2014 12h10

Em sua obra cinematográfica, filme após filme, o norte-americano Spike Jonze tenta abordar a incomunicabilidade entre as pessoas. Desde sua estreia em "Quero ser John Malkovich" (1999), até seu recente "Onde Vivem os Monstros" (2009), os personagens procuram meios de fuga e de não encarar o outro de frente. Ao mergulharem em seus mundos imaginários, encontram o consolo, a paz e o prazer que procuram e não encontram na vida real.

Seu novo longa "Ela", que estreia nesta sexta-feira (14) nos cinemas, segue na mesma linha. O protagonista é um herói melancólico, vivido com perspicácia e ternura por Joaquin Phoenix --inexplicavelmente não indicado ao Oscar. Ele se chama Theodore Twombly, e sua vida solitária se resume ao trabalho, numa empresa em que é contratado para escrever cartas e bilhetes, e a solidão em casa, onde eventuais amantes que conhece na Internet o ajudam a aliviar o isolamento.

Sua vida segue assim até que compra seu novo sistema operacional, escolhendo um perfil feminino para interagir com ele. Ela tem até nome, Samantha, e é dublada por Scarlett Johansson, cuja voz mostra-se capaz de variar do tom sedutor ao estridente, passando pela doçura, justificando até uma paixão --mesmo sem um corpo.

Enfim, Theodore cria um vínculo de amizade com Samantha, pois com ela não precisa fingir, não precisa ser outra pessoa, com ela é capaz de se comunicar plenamente. Quando se dá conta de que está apaixonado, inusitadamente descobre que o sentimento é recíproco.

Samantha é uma espécie de HAL (computador de "2001 - Uma Odisseia no Espaço"), sem o instinto de preservação, o que o tornava assassino. Ela é humana --muitas vezes, mais humana que as pessoas do filme, seja Theodore ou seu casal de amigos, Amy (Amy Adams) e Charles (Matt Letscher).

É a voz do computador que pode servir como catalisador para que os diversos personagens recobrem sua humanidade, que foi perdida em algum momento.

Em seus primeiros filmes, Jonze trabalhou junto com Charlie Kaufman (também roteirista e diretor de "Sinédoque Nova York"), e a parceria talvez fizesse sombra ao real talento do diretor --uma vez que as atenções se voltavam mais para a inventividade dos roteiros.

Aqui, Jonze cria uma fábula futurista sobre o nosso presente, no qual as máquinas se tornam mediadoras dos laços de afeto, que, aos poucos, se esmaecem em pequenos caracteres numa tela de computador ou celular.

O mundo criado por Jonze e habitado por esses personagens é uma sombra do nosso, ressaltado por tons de vermelho, rosa e roxo. Uma direção de arte sagaz e minimalista, indicando que, no futuro, nos voltamos ao básico para a sobrevivência --desde que esse básico envolva todas as quinquilharias tecnológicas que possam existir.

Ao redor de Theodore, o mundo está dominado por essa dinâmica --excetuando talvez apenas Amy e outro colega de trabalho dele, Paul (Chris Pratt).

Um romance desfeito com Catherine (Rooney Mara) parece ter destruído a última gota de esperança que havia no protagonista, até encontrar Samantha.

"Ela", tal qual Theodore (ou exatamente por causa dele), é um filme melancólico, mas também uma comédia romântica sobre um casal que se conhece e vive seus altos e baixos.

O filme também é uma ficção científica e, como tal, investiga o nosso presente falando de um futuro provável. Para um filme sobre a dificuldade de comunicação e expressão de afetos, este é calcado no diálogo --o que soaria paradoxal, não fosse o fato de que muito se fala, mas pouco se diz (entre dois humanos).

É com Samantha que Theodore rompe suas barreiras, suas melancolias, e reencontra a si mesmo --enfim, é preciso se apaixonar por uma máquina para ele se lembrar do humanismo que existe dentro dele mesmo. Desta forma, o filme de Jonze faz parecer que é nessa direção que a humanidade está caminhando.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb