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Em "Nebraska", emergem os EUA profundos, que tentam lidar com a crise

Alysson Oliveira

Do Cineweb*

13/02/2014 13h47

Se há uma correspondência artística e visual do filme "Nebraska", são as fotos da Depressão feitas por Walker Evans. Alexander Payne e Bob Nelson, diretor e roteirista do longa, parecem evocar uma época passada e fazer uma ponte entre as crises do final dos anos de 1920 e a do presente, que assolaram e assolam os EUA.

Essas não são apenas financeiras, mas também éticas e morais --num país cuja ascensão econômica não foi acompanhada nessas outras esferas. O longa, que estreia nesta sexta-feira (14) nos cinemas, foi indicado em seis categorias no Oscar --entre elas, melhor filme, diretor e roteiro.

A figura de Woody Grant (Bruce Dern, premiado em Cannes e indicado ao Oscar de melhor ator) é a última instância da crença e ingenuidade do norte-americano.

Ao receber uma propaganda pelo correio, dizendo que ele ganhou 1 milhão de dólares, o protagonista acredita piamente nessa mentira --mero golpe para vender assinatura de revistas.

Por mais que sua mulher, Kate (a excelente June Squibb, também indicada como coadjuvante), e seu filho, David (o humorista Will Forte num papel sério), tentem, são incapazes de dissuadi-lo de reclamar seu prêmio, na cidade de Lincoln, a alguns milhares de quilômetros de distância.

Se há um senso de nostalgia aqui, e há, ela se evidencia com a jornada do pai e do filho, que, finalmente cede para poder passar mais algumas horas com o pai, um alcoólatra que parece eternamente tentando se recuperar, e agora enfrenta problemas de memória.

No meio do caminho, param para visitar os parentes numa pequena cidade do Nebraska, a fictícia Hawthorne --cujo nome evoca um dos primeiros romancistas americanos, autor de "A Letra Escarlate", cujo tema é puritanismo e seus desdobramentos.

Essa cidade, então, evoca uma América antiga, profunda, enraizada em seus equívocos, que se recusa a abandonar o passado --e o preto-e-branco da fotografia do filme, assinada por Phedon Papamichael ("Os Descendentes") evidencia essa nostalgia e apego.

A família e conhecidos de Woody --entre eles um irmão num estado mental parecido com o dele, uma cunhada simpática e dois sobrinhos sem perspectiva de futuro, além de um ex-sócio, que deu um golpe-- ouvem falar do dinheiro e se tornam cordiais, prestativos. Mágoas e desavenças do passado logo emergem, mas, claro, podem desaparecer desde que Woody seja generoso ao receber o seu milhão.

Alexander Payne, até agora, havia trabalhado com roteiros adaptados de romances --como "Eleição", "As Confissões de Schmidt" e "Sideways"-- exceto por seu primeiro longa "Ruth em Questão". E essa origem sempre foi bastante evidente, seja na densidade psicológica, na estrutura narrativa ou na presença de um narrador. Aqui, o diretor deixa tudo isso de lado e confia ainda mais nas imagens, no poder de mostrar, em vez de contar.

O que se passa na cabeça de Woody é um mistério tanto para nós quanto para aqueles que o cercam, uma vez que o filme parece contado do ponto de vista do filho que o acompanha.

Ele realmente crê que ganhou esse dinheiro? Talvez seja mais uma manifestação do sonho americano, que, em tempos de crise é mais inatingível e mais desejado --por isso, qualquer um pode, sem questionar, acreditar que foi sorteado e ganhou, do nada, muito dinheiro.

A crise econômica do presente, parece dizer "Nebraska", acabou com a ilusão da fortuna fácil. Frustrados, só resta aos americanos se refugiarem no consumo.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb