Topo

Visando público adolescente, "Insônia" ressente-se de recursos datados

Nayara Reynaud

Do Cineweb*

13/02/2014 15h06

Todo mundo guarda algumas lembranças da adolescência, boas ou ruins, desse período de formação: do corpo, de conhecimento, do caráter, entre outras coisas. A efervescência e os dilemas dessa fase são um terreno fértil para cineastas de vários países e, especialmente em Hollywood, tornaram-se uma lucrativa forma da indústria do cinema de dialogar com uma grande fatia de seu público cativo. Esse nicho, no entanto, foi negligenciado na cinematografia brasileira até bem pouco tempo atrás.

Talvez enxergando a lacuna existente até então, surgiu a ideia de produzir "Insônia" (2012), há quase dez anos. O longa-metragem do diretor gaúcho Beto Souza, baseado no livro homônimo de Marcelo Carneiro da Cunha, retrata os conflitos de Cláudia (Lara Rodrigues), uma garota de 15 anos, órfã de mãe aos 5 anos, que mora com o pai, Rafael (Daniel Kuzniecka), e faz de tudo por ele. O filme estreia nesta sexta-feira (14) nos cinemas.

Quando, em uma viagem dele a trabalho, ela conhece Andreia (Luana Piovani), uma mulher de 28 anos, a menina não ganha só uma amiga mais velha, mas também uma nova namorada para o seu pai. Além disso, ela tenta lidar com o fato de não ser tão desenvolta com os meninos quanto sua amiga Carla (Larissa Resende) e com sua curiosidade sobre Insônia, pseudônimo de um colega anônimo que lhe manda poesias e mensagens de apoio pela Internet.

No livro publicado em 1996, as conversas de Claudia e do amigo virtual ocorrem em um chat. Quando a comédia romântica foi filmada, em 2007, ferramentas de bate-papo, como o Messenger, estavam em seu auge. Entretanto, a produção enfrentou várias dificuldades na captação de recursos, gastando cinco anos para finalização. Mesmo após sua exibição no Festival de Gramado, em 2012, demorou mais dois anos para ser distribuída, sendo lançado só agora, em tempos de WhatsApp.

Enquanto enfrentava todos esses obstáculos, o cinema brasileiro finalmente resolveu agraciar os adolescentes. Vieram "Os Famosos e os Duendes da Morte" (2009), de Esmir Filho, e "As Melhores Coisas do Mundo" (2010), de Laís Bodanzky, elogiados pela crítica. Este abriu caminho para que filmes de nicho como ele conquistassem cada vez mais público, a exemplo de "Antes que o Mundo Acabe" (2009), uma adaptação de outro livro de Marcelo Carneiro da Cunha, só que mais bem realizada por Ana Luiza Azevedo; "Desenrola" (2011), de Rosane Svartman; e o recente "Confissões de Adolescente" (2013), de Daniel Filho.

Apesar de perder o ar de inovação, "Insônia" ainda teria espaço, pois só esses títulos não foram capazes de cobrir uma infinidade de temas ou atender aos jovens espectadores em sua totalidade. Nem mesmo a obsolescência das ferramentas digitais e das redes sociais apresentadas no filme o prejudica tanto assim. É que ele padece de problemas mais graves.

Com uma história rasa, o roteiro criado coletivamente e supervisionado pelo próprio autor do livro desperdiça diversas oportunidades de aprofundar a trama.

Beto Souza, que já havia dirigido "Netto Perde Sua Alma" (2001), "Cerro do Jarau" (2005) e "Dias e Noites" (2008), não explora alguns dos dramas existentes, a exemplo da relação de Claudia com Andreia, a partir do momento em que esta se interessa pelo pai da outra. Não que fosse necessário abusar do clichê da adolescente irritante e ciumenta, mas é pouco verossímil que a protagonista, que até então era a única a ter a atenção de Rafael, lide tão facilmente com esta questão.

O elenco também contribui para tal superficialidade. Lara Rodrigues --a filha do casal principal no primeiro filme da franquia "Se Eu Fosse Você" (2006), porém, mais conhecida por ser a Narizinho no "Sítio do Pica-Pau Amarelo", de 2001 a 2004-- e o argentino Daniel Kuzniecka --"Cinzas do Paraíso" (1997) e uma participação na novela "Avenida Brasil" (2012)-- nos papéis de filha e pai são quem mais se esforçam, mas não são capazes de superar os problemas do texto.

É com o também hermano Nicolás Condito ("Sofacama", 2006)-- que tais deficiências tornam-se mais visíveis, por seu claro desconforto em ter que atuar em português. Sobre isso, ainda é curioso observar a presença do sotaque argentino nessa produção binacional, mas não se escutar nenhum resquício do falar cantado gaúcho, talvez para evitar uma prosódia forçada dos atores vindos de outros estados.

Além disso, há uma opção estética no longa que tem origem na imagem deturpada da afetação dos mais jovens. Daí a edição rápida, que prejudica certos momentos dessa comédia romântica; e a inserção de grafismos traduzindo pensamentos ou evidenciando situações e o efeito de desenho, que, muitas vezes, se mostram desnecessários e poderiam ser trabalhados de uma forma melhor.

Ainda que seja mais fraco do que os filmes citados anteriormente, "Insônia" poderia fazer muito mais se compreendesse melhor o que se propõe a mostrar.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb