"Gata Velha Ainda Mia" traz Regina Duarte como ex-feminista
Não é querer forçar uma ideia, mas num filme que traz Regina Duarte e Bárbara Paz como protagonistas, e explora aquilo que uma personagem chama de fracasso do feminismo, não há como não lembrar o slogan do movimento criado por Carol Hanisch nos anos de 1960: "O pessoal é político".
E nem falemos de medos e lutos —mas pensemos em "Gata Velha Ainda Mia", que estreia nesta quinta (15), como a busca sintomática do fracasso do movimento. Afinal, Gloria Polk (Regina Duarte), uma escritora das antigas, diz que foi feminista, hoje não é mais —ou algo que o valha.
Vivendo à la Norma Desmond (a protagonista fantasmagórica de "Crepúsculo dos Deuses", uma referência e patamar de ambição aqui), Polk ensaia uma volta à literatura com um novo romance, que será editado por seu filho. O longa, escrito e dirigido por Rafael Primot, é um embate entre duas gerações, duas perspectivas de vida, dois feminismos fracassados.
Do outro lado está Carol (Bárbara), jornalista de revista feminina, que chega munida de gravador, páginas amassadas e fora de ordem e perguntas um tanto cretinas. "Qual sua revista feminina preferida?", pergunta. "É a sua", responde a outra. "É mesmo?". "Não, mas pode colocar isso." Ou, em outro momento, quando inquire as escritoras favoritas de Gloria, a lista é grande, repleta de autoras femininas (Simone de Beauvoir, Susan Sontag, entre outras) e Paulo Coelho.
Carol trabalha, mas casou-se com um homem rico —ex-marido de Gloria, que ainda mantém o sobrenome dele, e pai de seus três filhos. O mais novo romance da escritora é sobre uma personagem que ela acompanha há anos em seus livros— deverá ser o último. Durante os créditos do filme, ouvimos ligações dela para o filho-editor: "quero mudar o final! E me respeita que sou sua mãe!".
O fracasso do feminismo dessa senhora um tanto mal arrumada que vive de roupão dentro de casa, e que cozinha para fora (para os ricos apenas) para se sustentar, e que tenta ganhar Carol pelo estômago, se materializa nessa mulher que quer de volta o que acha ser seu de direto e, por isso, pensa na família nuclear burguesa. Gloria é, sem medo de ser feliz, uma feminista arrependida. Já deu aula em todos os cantos no mundo ("comprei esse vasinho na Grécia") e, segundo Carol, é lida em universidades de todo o planeta.
Passar uma hora e meia com essas duas mulheres é insuportável. Suas ideias, conversas, digressões e diálogos (forçadamente literários e empostados) beiram o tédio. Mas, como "Quando Eu Era Vivo", "Gata Velha Ainda Mia" é um terror brasileiro —ou seja lá qual rótulo estejam aplicando ao filme atualmente— e, como tal, precisa de reviravoltas, surpresas, uma Regina Duarte psicótica e uma Bárbara Paz coberta de plástico filme. O jantar vai ser animado.
A ação se limita a essas duas personagens —com breves interrupções da ótima Gilda Nomacce— e um apartamento de classe média. Não é fácil articular esses elementos num filme até longo para o que se propõe fazer. No teatro —de onde vem o diretor, que também tem curtas e trabalhos como ator no currículo— talvez seja mais fácil articular esse minimalismo, que aqui parece carregado demais, sem ar fresco (nem quando a cena se move para um terraço).
Que o feminismo não foi um sucesso completo é algo claro a qualquer um —até se o tivesse sido, sua existência se tornaria desnecessária. Mas a segunda onda do movimento, nos anos de 1960, quando as mulheres já haviam conquistado o voto, persiste até hoje - e, numa época em que uma portuguesa se torna técnica de um time de futebol masculino na França é de se comemorar as conquistas, e investigar para evitar novos fracassos. "Gata Velha Ainda Mia" não faz nem um, nem outro papel.
*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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