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Filme "O Mercado de Notícias" discute pecados do jornalismo no Brasil atual

Neusa Barbosa, do Cineweb

Da Reuters, em São Paulo

06/08/2014 15h56

Sempre muito original, o cineasta Jorge Furtado ("Saneamento Básico: O Filme") foi buscar numa peça teatral da Inglaterra elisabetana do século 17 um paralelo para estabelecer uma perspectiva histórica para a aguçada discussão sobre critérios, falhas e importância da imprensa no Brasil em seu novo documentário, "O Mercado de Notícias".

O filme estreia em dez cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Salvador, João Pessoa, Santos e Juiz de Fora.

Competidor na seção principal do Festival É Tudo Verdade e multipremiado no Cine PE, em Recife, o filme de Furtado empresta o título da própria peça "O Mercado de Notícias", de Ben Jonson (1572-1637), que surgiu no mesmo momento histórico em que começaram a circular os primeiros jornais.

Já naqueles tempos se estabeleceram os desafios da atividade, a partir da constatação de que não há fatos brutos na natureza. Todo e qualquer acontecimento, então, é passível de seleção, análise, interpretação. Portanto, também de erros jornalísticos.

Dentro dessa discussão, o documentário debate a própria essência do jornalismo, ou seja, a obrigação de escolher o que se publica ou não, o que merce ou não cobertura, a necessidade de encontrar a novidade, de revelar histórias, equilibrando essa urgência com outra, não menos crucial: a da própria sobrevivência econômica e comercial.

Um aspecto que leva alguns a apostarem no sensacionalismo e, em última análise, no antijornalismo, para garantir altas tiragens e grandes receitas publicitárias.

Entre outros riscos implícitos à atividade, os jornalistas sempre dependem das fontes, e elas, como se sabe, não raro têm seus interesses, que precisam ser "filtrados", como observa no filme o jornalista Geneton Moraes Neto.

Discussão atual

Há uma indiscutível atualidade na discussão proposta por "O Mercado de Notícias" no Brasil de hoje, em que a imprensa tantas vezes pauta o debate político. Depoimentos lembram que, até o golpe de 1964, havia uma identificação entre jornais e partidos. Cada um tinha o seu.

Depois, praticamente todos se unem na resistência ao regime autoritário, que finalmente atingiu os interesses gerais, pela censura. Depois da redemocratização, em 1985, tornaram-se, não raro, muito conservadores.

Diretor da revista "Carta Capital", no filme, o veterano Mino Carta não se esquiva de definir: "A mídia brasileira é um partido político". E o que é pior, não se aceita como agente político, escondendo-se por trás de uma suposta isenção, ao mesmo tempo em que elege escândalos e personagens a quem crucificar impiedosamente e outros de quem oculta ou relativiza os pecados.

Menciona-se ainda outras mazelas, como erros crassos e trágicos --sendo o caso da Escola Base o maior da memória recente, talvez. Outros são lembrados: o "quadro de Picasso", denunciado numa repartição do INSS, que não passava de um pôster, desses que se compram em qualquer museu; e a famosa "bolinha de papel" da última campanha presidencial do candidato José Serra.

Se tivesse sido feito mais recentemente, certamente o documentário poderia incluir a cobertura catastrofista que precedeu a Copa do Mundo.

Entrevistas e peça

Saindo de um modelo de documentário dependente exclusivamente de entrevistas, Furtado intercala as conversas com 13 experientes jornalistas brasileiros com trechos de uma encenação da própria peça, a partir de uma tradução feita por ele mesmo e pela professora Liziane Kugland.

O recurso permite uma certa leveza, porque utiliza a inserção de comentários cínicos pertinentes aos tópicos em debate.

Para quem, no fim das contas, tiver a impressão de que Furtado é contra o jornalismo, ele mesmo contra-argumenta, defendendo, no material de divulgação, que seu filme é "uma defesa do bom jornalismo, sem o qual não há democracia".

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb