"Não Pare na Pista" dificulta conexão emocional com protagonista do filme
Se a vida do escritor carioca Paulo Coelho já rendeu pelo menos um livro --"O Mago", sua biografia escrita por Fernando Morais-- nada mais natural do que se desenvolver também num filme, ainda mais tendo em vista a fama internacional do autor. É o que acontece em "Não Pare na Pista - A Melhor História de Paulo Coelho", de Daniel Augusto, que abriu, fora de competição, o mais recente Festival de Paulínia, em julho.
Focando-se na juventude e na vida adulta do escritor antes do sucesso, o filme roteirizado por Carolina Kotscho ("2 Filhos de Francisco") estruturou-se menos pela biografia de Fernando Morais e mais por diversas entrevistas realizadas diretamente com o personagem --que, segundo a roteirista e o diretor, em Paulínia, não teria interferido na produção, embora tenha aprovado o resultado.
Dois atores irmãos na vida real interpretam o protagonista: Ravel Andrade na juventude, e Júlio Andrade (de "Gonzaga - De Pai pra Filho"), na vida adulta (inclusive na velhice, quando aparece sob uma pesada maquiagem). Na primeira fase, estão os conflitos mais acirrados com o pai engenheiro e rígido, Pedro (Enrique Diaz), que não quer nem ouvir falar no projeto do filho de ser escritor. Para o pai, Paulo precisa de uma profissão estável. Ser escritor não se qualificaria a isto.
A divergência entre os dois aumenta à medida que o filho mergulha na onda de sua época, os anos 1960, embalado em drogas e rock and roll. Não demora muito e Pedro manda internar Paulo num hospital psiquiátrico para livrá-lo da suposta dependência das drogas. É o primeiro contato do jovem com o inferno da repressão, dos eletrochoques. Não será o último.
Adulto, Paulo mergulha cada vez mais na contracultura, editando uma revista de ufologia --que será o elo que lhe permite o encontro com o roqueiro Raul Seixas (Lucci Ferreira). Os assuntos mágicos e esotéricos darão a ponte para um relacionamento de amizade e parceria, que renderá sucessos musicais como "Sociedade Alternativa" e "Gita".
Cena do filme "Não Pare na Pista"
Apesar da ruptura dolorida que se produziu entre ambos, a partir do momento em que Seixas não admitiu publicamente a coautoria de Coelho em "Gita", o enredo não deixa de registrar a dívida do futuro autor de best-sellers com o músico, que teria lhe dado conselhos fundamentais no sentido de enxugar sua prosa.
Pulando o tempo todo de um período a outro na vida do escritor --inclusive na maturidade, quando ele realiza uma intempestiva nova viagem a Santiago de Compostela com a mulher (Fabiana Gugli)--, o filme dificulta a conexão emocional do espectador com seu protagonista.
A viagem a Santiago de Compostela, especialmente, parece sobrar na história e ser mantida para justificar a parceria da Espanha na coprodução do filme --que tem no seu elenco a atriz Paz Vega (de "Lúcia e o Sexo"), que sintetiza em sua personagem várias mulheres que passaram na vida do escritor.
Até por Ravel e Júlio de Andrade serem dois intérpretes generosos, de muitos recursos, assim como Enrique Diaz, não é menos verdade que o roteiro nem sempre os serve a contento. Duas boas cenas saltam à vista --aquela em que o pai ouve pelo rádio uma música a ele dedicada pelo filho; e uma outra em que Paulo vira o jogo contra um torturador, numa prisão durante a ditadura, passando-se por mais louco do que realmente é.
A literatura de Paulo Coelho, afinal, não é objeto de "Não Pare na Pista", que é uma espécie de "prequel" do próprio personagem midiático. O que talvez não seja satisfatório do ponto de vista de seus milhões de fãs, compradores de seus livros. Como retrato de época, também fica devendo muito.
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