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"Bem-vindo a Nova York" disseca escândalo que levou à queda de Strauss-Kahn

Rodrigo Zavala, do Cineweb

Em São Paulo

03/09/2014 19h07

Preso no aeroporto de Nova York em 2011, o então diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn viu sua carreira ruir com a acusação de abuso sexual feita por uma camareira do hotel onde se hospedou na cidade. No processo, mais tarde arquivado graças a um milionário acordo, veio à luz sua delirante vida sexual que, em alguns casos, teve relações supostamente não consensuais entre os envolvidos.

Com a reputação em frangalhos, perdeu o posto no FMI, a promissora candidatura à Presidência da França pelo partido socialista e a esposa, a jornalista Anne Sinclair, que ficou ao seu lado durante o processo nos EUA. Sem jamais consentir sobre as acusações que o implicavam, alegou apenas um possível vício em sexo e, no máximo, uma conduta inapropriada frente às múltiplas queixas sobre estupro.

A contundente história de Strauss-Kahn chamou a atenção do cineasta nova-iorquino Abel Ferrara, cujos filmes violentos (como "Olhos de Serpente" e "Vício Frenético") ou dramáticos ("Maria" e "4:44 Last Day on Earth") sempre reverberaram o pesadelo de viver de seus personagens principais.

E em "Bem-vindo a Nova York", que estreia nesta quarta (4), não foi diferente. No início da projeção, Ferrara explica ao espectador que se trata de uma versão dos fatos, já que seria impossível recriar a complexidade das relações abordadas. Faz isso, claro, para ser livre na construção de seu próprio Strauss-Kahn, a quem chama, aqui, de Sr. Devereaux, papel que coube a Gerard Depardieu.

A câmera de Ferrara segue Devereaux no trabalho, onde mantém um pequeno harém para constrangimento da diplomacia francesa, e no hotel em que se hospeda em Nova York. Tudo parece em excesso na vida dele, que se entope de comida, bebida, drogas e prostitutas. Consumido pelo que consome em frenesi, não parece enxergar os limites de seu próprio apetite.

O episódio com a camareira, que motivou sua prisão, é sem dúvida um dos mais perturbadores. Apavorada frente ao homem nu que sai do banho, ela entra em choque quando Devereaux exige sexo oral com violência. Mas, a misoginia do personagem é evidente quando, ao encontrar pela primeira vez o namorado de sua filha, pergunta com uma satisfação cortante se o sexo com ela é bom.

Preso no aeroporto sob a acusação de agressão sexual à camareira, ele liga para a esposa Simone (Jacqueline Bisset), em Paris, para socorrê-lo. Justo a ela que, na capital francesa, faz reuniões para apresentar o marido como candidato à Presidência do país. "Ele destruiu tudo pelo que eu lutei", lamenta-se a personagem para sua assistente, antevendo mais uma das inconsequências do companheiro.

Ferrara, aqui, tenta ser o mais realista possível sobre o encarceramento e, mais tarde, na prisão domiciliar na qual Devereaux se encontrou depois de processo iniciado. O que incluiu o uso de policiais reais que trabalharam no caso de Strauss-Kahn. Será nessa casa que o personagem se despirá ao público, com toda a sua psicopatia, culminando em um desconcertante monólogo final.

Depardieu, que alegou ter aceitado o papel por não gostar da figura pública do político, a quem chamou de esnobe ("como os franceses") e sem dignidade, mostra-se impecável em cena, apesar de certo exagero dramático no texto assinado por Ferrara e Christ Zois. A intensidade com que interpreta Devereaux, no entanto, é contrária a de sua companheira Bisset, que faz uma Simone ainda mais fraca do que a que os roteiristas desenharam.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb