Comédia argentina "Relatos Selvagens" explora a vingança com humor negro
Chegamos a um ponto que só nos resta a barbárie, parece dizer o argentino "Relatos Selvagens", exibido em competição em Cannes, filme de abertura da Mostra SP, e que agora estreia no Brasil. Composto de pequenas histórias de cunho moral e humor negro, o longa de Damián Szifrón, que estreia nesta quinta (23), tornou-se a maior bilheteria nacional em seu país e busca uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
O pequeno prólogo é um primor, envolvendo um avião, meia dúzia de passageiros e um tal de Gabriel Pasternak. Curto e inusitado, esse segmento define o tom ao que vem a seguir: uma sátira social ácida, que se passa na Argentina, mas não estaria de todo descabida se situada no Brasil e outros lugares.
As situações transitam entre o sujeito num dia de fúria contra o sistema —interpretado por Ricardo Darín— a explosão de raiva de uma noiva traída (Erica Rivas), uma espécie de luta de classes na autoestrada (com Leonardo Sbaraglia e Miguel Ángel Platinado Grando), e a corrupção.
Combinando humor, tons surrealistas e melodrama —o que remete ao cinema de Pedro Almodóvar (um dos produtores do longa)—, Szifrón, que também assina o roteiro, questiona a validade de uma vingança. Para criar o efeito cômico, as tramas caminham para o exagero, mas nem por isso são de todo descabidas —apenas um tanto improváveis.
Numa delas, por exemplo, dois homens criam uma disputa na estrada. Um deles, visivelmente rico (Sbaraglia) e outro pobre (Platinado Grando). O que começa com uma perseguição —com ecos de "Encurralado", de Steven Spielberg— se transforma em algo surreal, como nas eternas rusgas entre Papaléguas e Coyote do desenho animado.
Darín é um engenheiro especializado em implosões, que se volta contra o sistema burocrático depois de receber uma multa ? não injusta, na verdade. Mas o sistema se revela corrupto numa história envolvendo um homem influente e seu filho, que atropela e mata acidentalmente e sem prestar socorro uma mulher grávida.
A trama se revela gradativamente, incorporando o motorista da família e mostra que, no inferno, ninguém se salva.
Nesse, como nos outros segmentos, a trama se constrói com altas doses de suspense, bem como uma indagação de até onde o diretor será capaz de ir ? e ele vai bem longe, basta ver o último episódio, que também é o melhor. Protagonizado por Erica Rivas, interpretando uma noiva que descobre, durante a festa, que seu recém-marido a trai com uma colega de escritório. A vingança é um prato que se come entre cortar o bolo e jogar o buquê.
*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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