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"Ventos de Agosto" cria ficção a partir de tramas documentais

Neusa Barbosa

Do Cineweb, em São Paulo

12/11/2014 16h59

Premiado no último Festival de Locarno, "Ventos de Agosto", o novo filme de Gabriel Mascaro, representa a investida mais decidida até aqui do cineasta pernambucano, diretor dos documentários "Domésticas" e "Um Lugar ao Sol", no caminho da ficção. Mas, ao mesmo tempo, as fronteiras de gênero permaneceram deliberadamente fluidas numa obra que felizmente não se curva a um estetismo excessivo. O longa estreia nesta quinta (13) em São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza.

Como em todo seu trabalho de cineasta até este momento, Mascaro se empenha em criar um filme orgânico, e consegue, no sentido de aliar um naturalismo na fotografia (responsável por sua comparação a "Barravento", de Glauber Rocha, por um crítico italiano em Locarno) ao uso de atores amadores das próprias locações (na praiana Porto da Pedra, em Alagoas), todos empenhados na tentativa de fabular.

Alguns pontos de partida sinalizaram a criação da narrativa ficcional, particularmente as histórias relacionadas ao cemitério local que, por conta das fortes correntes marítimas causadas pelos ventos, fazem com que os esqueletos dos mortos sejam levados, muitas vezes, pelo mar, desencadeando um processo constante de ressepultamento.

Essa relação peculiar com a vida e a morte percorre todo a história. Está no horizonte da jovem Shirley (Dandara de Morais), que veio de fora para cuidar da avó, quase centenária e que conta que vê seus pais todos os dias, em sonhos. Também ocupa, de certa maneira, o imaginário de Jeison (Geová Manoel dos Santos), que pensa muito na mãe que morreu. E que, mais tarde, mudará toda a sua rotina para tratar do destino do corpo de um morto, um forasteiro que chegou à ilha para estudar os ventos (interpretado pelo próprio Mascaro).

O sucesso deste processo de desenvolvimento da história é a inserção, muito natural, num enredo à primeira vista tão minimalista, de inúmeras questões: o sexo, a vontade de fugir de um local com limitadas opções de vida, o trabalho braçal, o peso das relações familiares, as histórias sobre os mortos, o isolamento em relação à figura de um Estado ou autoridade que, quando acontece, se dá num registro muito próximo ao realismo mágico, com um saudável toque de humor, retratando a situação absurda de um prisioneiro deixado para trás numa cadeia.

O humor, aliás, infiltra-se neste filme denso, que se amplia em significados quanto mais se pensa nele.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb