Topo

Em "Êxodo", Ridley Scott explora o próprio ceticismo em reflexão sobre fé

Rodrigo Zavala

Do Cineweb, em São Paulo*

23/12/2014 14h21

Quando se olha para qualquer um dos elementos que compõem "Êxodo: Deuses e Reis", que estreia nesta quinta (25), é inegável o espetáculo que o diretor Ridley Scott traz ao espectador.

Seja no carismático elenco, exuberante figurino (desenhado por Janty Yates), a competente trilha sonora (do compositor Alberto Iglesias) ou mesmo na opulenta recriação do antigo Egito (obra do design Arthur Max, efeitos visuais de Peter Chiang e fotografia de Dariusz Wolski), a versão de Scott, filmada em 3D, sobre a mais prodigiosa narrativa judaico-cristã, é uma poderosa reflexão sobre moral e fé.

No roteiro afiado (assinado por Steven Zaillian, Adam Cooper, Bill Collage e Jeffrey Caine), o diretor (agnóstico) explora o próprio ceticismo não para afrontar, mas para elevar os conflitos inerentes ao relato.

Nesse ponto, distancia-se do clássico "Os Dez Mandamentos" (1956), de Cecil B. DeMille, ao trazer um Moisés (Christian Bale) mais aguerrido, mas vacilante, neste psicodrama do Antigo Testamento.

As distinções são visíveis já de início. Longe do bebê no cesto de juncos que navega pelo Nilo, Scott nos apresenta um Moisés adulto, criado como príncipe do Egito. Preferido pelo faraó Seti (John Turturro) por seu comedimento e visão militar (é um general), é leal ao herdeiro do trono, o inseguro Ramsés (Joel Edgerton) e se tratam como irmãos.

Porém, uma profecia singular, que se torna verdadeira durante uma batalha contra os hititas, muda o rumo dessa lealdade. Visto como líder maior, Moisés acaba criando um cisão na tal irmandade, sendo enviado por Ramsés a um trabalho menor: auditar a gestão do vice-governador de Pitom (Ben Mendelsohn), cidade em que vivem os escravos hebreus.

Moisés, que é tão cético diante do Deus israelita quanto das divindades egípcias, vê ali um problema moral, ainda mais quando existe a possibilidade do genocídio para controlar a população de escravos. Quando busca a opinião do sábio ancião Nun (Ben Kingsley), este lhe conta toda a verdade sobre sua procedência. "Não é nem uma boa história", retruca o protagonista.

Trailer legendado de "Êxodo: Deuses e Reis"

Quando a verdade é exposta, Ramsés vê assim uma forma de se livrar de seu adversário (segundo a profecia) e Moisés é banido para o deserto, até chegar em Midiã, onde se casa com Zipporah (María Valverde). É lá, como pastor, que se encontrará com Deus, personificado pelo querubim Malak (Isaac Andrews), que parece uma criança mal comportada.

A cena do Monte Sinai é metafórica, com Moisés imerso no barro, como em uma reconstrução do homem, mas também é propositiva na dinâmica Malak/Deus e o novo líder. Há uma descrença entre as partes, certa infantilidade, sentimentos de vingança e ira, que trarão, mais tarde, uma enormidade de problemas tanto aos hebreus como aos egípcios.

Moisés, o general (uma liberdade de Scott para confeccionar seu protagonista mais ao estilo gladiador do que ao das Escrituras), quer enfrentar o faraó em combate de guerrilha. Seu fracasso leva às pragas enviadas por Deus, em cenas impactantes, feitas na forma de causa e efeito, que começam com um ataque sanguinolento de crocodilos.

O sofrimento de ambos os povos e a perspectiva de Moisés frente aos acontecimentos, diante dos quais é impotente, é um trabalho bem costurado por Scott e Bale, o que traz uma nova interpretação ao relato do Antigo Testamento. Mais do que a fé cega de "Noé" (de Darren Aronofsky), aqui o diretor é questionador, com se viu em "Cruzadas" (2005), mas não demole as estruturas de crenças, como fez em "Prometheus" (2012).

Apesar do texto provocador, "Êxodo: Deuses e Reis" é menos passível de polêmica, se comparado a "Noé" ou mesmo "Paixão de Cristo" (de Mel Gibson), mas não passa incólume às críticas. Como na seleção de atores (americanos e ingleses) nos papeis-chave, em lugar de um elenco dos países que retrata (uma escolha comercial mais velha do que o próprio Moisés).

Observa-se também certa misoginia, já que as personagens femininas são apenas decorativas. E a própria personificação de Deus na pele de um menino com sotaque inglês é um dado que lhe confere alguma ironia.

Scott também não hesita em mexer com o contexto político de uma região. Ainda no início, Moisés é enfático ao defender que a Terra Prometida dos israelitas é, na verdade, terra também de outros povos, que talvez não fiquem felizes com a chegada de 600 mil pessoas. O diretor coloca tudo isso em seu espetáculo, que eleva o ceticismo tanto quanto a própria fé.

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb