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Em nova versão, "Annie" é conto de fadas para o consumo

Rodrigo Zavala

Do Cineweb

11/02/2015 16h28

No início de "Annie", que estreia nesta quarta (12), o diretor e roteirista Will Gluck (de "Amizade Colorida") já faz a distinção de seu filme e do musical homônimo de John Huston (de 1982). Na sala de aula de uma escola pública nova-iorquina, mostra a ruiva Annie A (inspirada no filme original) chateando seus colegas pela cantoria e dança, enquanto Annie B (Quvenzhané Wallis) é inspiradora com sua redação interativa, à la grupo musical Stomp.

Com a brincadeira, cria-se um pretexto para tentar superar comparações entre este trabalho e o anterior, muito além das diferenças étnicas ou culturais. Quer-se provar que os tempos mudaram e as crianças não se encantam mais com números chatos da Broadway, mas, sim, com o vigor e a atitude de seus jovens.

As decisões de Gluck para a adaptação, no entanto, causam espanto quando pensadas em contexto. A "Annie" de 1982, baseada nas tiras de jornal (iniciadas em 1924) e no musical da Broadway (de 1977), incorporava as divergências entre as práticas republicanas e democratas em meio ao New Deal, pós-crash da Bolsa de 1929, impactando a massa pobre e alguns ricos. Um pano de fundo que, inspirado em "Oliver Twist", de Charles Dickens, retratava de forma amena conflitos sociais de uma época.

Já nesta nova versão, escancara-se o consumismo, a manipulação pela mídia, sem a dualidade entre pobreza e riqueza, apenas o flagrante pendor pelo luxo. Nas músicas (todas dubladas em português, única versão para os cinemas brasileiros), faz falta o "Tomorrow" (ou "Amanhã", a música-tema) como um novo futuro coletivo, em vez do individualismo de uma vida melhor só para Annie.

Aqui, ela vive na casa da ex-cantora Hannigan (Cameron Diaz), que abriga Annie e outras jovens órfãs para capitalizar a ajuda governamental. Em suas andanças pela cidade, em busca dos pais, por quem foi abandonada, a menina acaba sofrendo um acidente e é salva pelo bilionário da telefonia móvel (uma espécie de Steve Jobs), Will Stacks, interpretado por Jamie Foxx.

O vídeo da benfeitoria viraliza na Internet e como Stacks está concorrendo à Prefeitura de Nova York, seu assessor político Guy (Bobby Cannavale) acredita que a presença da menina na campanha será vital para a vitória. Sobra para o braço direito do bilionário, Grace (Rose Byrne), fazer a adoção temporária da criança.

Do convívio entre o atarefado Stark e a encantadora Annie nasce uma amizade que o levará a querer adotá-la incondicionalmente. Isso até um plano entre Guy e Hannigan colocar tudo a perder. Num misto de compaixão e redenção, a produção se move não como um musical, mas, como diria o diretor francês Jacques Démy, "um filme popular com canções".

Com assinatura do polivalente Jay-Z (responsável pela trilha sonora de "O Grande Gatsby", de Baz Luhrmann), todas as músicas foram inteiramente dubladas para o público brasileiro (não haverá versão original em inglês nos cinemas). A escolha faz sentido quando pensada comercialmente para crianças, que poderiam perder-se nas legendas.

Mas o bom trabalho de Félix Ferra (que adaptou também as canções de "Frozen - Uma Aventura Congelante") sofre um revés na pior situação da dublagem: a sincronização entre o que se ouve e o movimento facial, o famoso "lip sync". Simplesmente, ela não acontece.

Das muitas diferenças, a nova "Annie" não deixa de ser um conto de fadas moderno, para crianças, bem filmado e produzido. É até irônico que Wallis tenha sido descoberta por um filme também sobre esperança, como "Indomável Sonhadora", pelo qual foi indicada ao Oscar de melhor atriz em 2013. Mas perde para sua antecessora, que pensava num mundo melhor, não apenas numa vida melhor. Sinal dos tempos.

Assista ao trailer legendado de "Annie"

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb