Suspense "O Duplo" explora Dostoiévski e relações de trabalho
Em "O Duplo", de Richard Ayoade, Jesse Eisenberg ("A Rede Social") vive o personagem-título e sua cópia. Baseado numa novela do russo Fiódor Dostoiévski, o filme pode ter mais a ver com a alienação e repetição do trabalho do que com personalidades opostas se compensando mutuamente —na verdade, tudo isso pode estar conectado. O filme estreia nesta quinta (26).
Simon James (Eisenberg) é um sujeito solitário que trabalha numa empresa, da qual pouco ou nada sabemos, numa cidade e tempo que também não são especificados. O visual retrô-futurista serve mais para confundir do que explicar —e isso pode ser positivo. Há um quê da distopia da adaptação cinematográfica de "1984", dirigida por Michael Radford. Pessoas apertam botões sem saber ao certo o porquê, mas ainda assim, apertam. Ele é só mais um dos funcionários, ninguém sabe seu nome —nem o chefe, interpretado pelo veterano Wallace Shawn.
A única coisa a tornar seus dias menos tediosos são os encontros com a colega de trabalho, Hannah (Mia Wasikowska), que trabalha na máquina de xerox, e por quem nutre uma paixão. A garota, por sua vez, não parece menos consumida pelo trabalho repetitivo do que ele. O fato de ela fazer cópias serve como um indício do vazio que o diretor aponta, pela replicação —seja dos movimentos de trabalho, da rotina das personagens, ou do doppelgänger, o duplo que irá surgir na vida de Simon.
James Simon é o oposto de Simon James —a brincadeira com os nomes é um dos momentos de bem-vindo humor do filme, apesar de óbvia. Nada introvertido, falador e falastrão, ele começa a se destacar, depois de aparecer do nada. Todos gostam dele, ele é agressivo —dá em cima das moças sem muito pudor— e é um preguiçoso no trabalho. Quando Simon tenta recuperar sua existência usurpada, ninguém lhe dá ouvidos. Nem sabem que ele existe, na verdade.
O mundo onde vive o personagem —que transita entre o ambiente de trabalho e o pequeno apartamento— parece destituído de espaços abertos. É uma atmosfera sufocante construída especialmente com o uso de cores (ressaltam-se tons neutros de cinza e marrom) na fotografia de Erik Wilson, enquanto a trilha sonora é composta mais de ruídos de máquinas, que parecem sempre soar mais alto do que as vozes dos personagens.
Embora tudo seja muito bem-articulado, Ayoade —que assina o roteiro com Avi Korine— tem uma tendência a acreditar que o óbvio é maior do que realmente é. Exemplo: a primeira fala do filme é "Você está no meu lugar", dita por um sujeito a Simon num trem vazio, numa clara referência ao que virá a ser o filme (uma pessoa tentando tomar o lugar da outra). Outro: a máquina de xerox que tanto aparece, reproduzindo os originais, tal qual James Simon. Ou seja, seus simbolismos acabam dizendo o evidente —não apenas nessas cenas. Ainda assim, é muito bom ver o diretor optar por correr riscos —se acerta ou não é outra questão.
Assista ao trailer legendado de "O Duplo"
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