Topo

"118 Dias" reconstitui calvário do jornalista iraniano Maziar Bahari

Neusa Barbosa

Do Cineweb, em São Paulo

04/03/2015 16h09

"118 Dias", a adaptação cinematográfica das memórias da prisão do jornalista iraniano Maziar Bahari, "Then They Came For Me", publicadas em 2011, não pareceria, à primeira vista, uma missão sob medida para a estreia cinematográfica do ator, produtor e apresentador do programa humorístico "The Daily Show", o norte-americano Jon Stewart. O filme estreia nesta quinta (5).

Movido, pelo que ele diz, mais por impaciência de ver a história contada, Stewart tirou uma folga de seu programa de sucesso —em que costuma fazer sátiras impiedosas aos políticos— para abraçar uma trama de perseguição, tortura e repressão, em que os momentos de humor decorrem apenas do ridículo de algumas situações, ironicamente reais.

Bahari (representado pelo ator mexicano Gael Garcia Bernal) é um jornalista iraniano, que estudou no Canadá e mora em Londres em 2009, ano de eleições no Irã. Concorre à reeleição o presidente linha-dura Mahmoud Ahmadinejad, mas o opositor reformista, Mir Hussein Mussavi, parece ter grandes chances de vencer.

O jornalista volta a Teerã para cobrir as eleições, como freelancer para a revista "Newsweek" e outros órgãos de imprensa ocidentais. Descobre um país em plena turbulência, com jovens entusiasmados pela mudança representada por Mussavi.

No entanto, prepara-se uma fraude eleitoral a favor de Ahmadinejad, provocando enormes protestos nas ruas da capital iraniana. Com sua câmera, Bahari capta imagens da violenta repressão contra os manifestantes, que correm o mundo. Logo depois, é preso na casa de sua mãe (Shohreh Aghdashloo).

As melhores sequências do filme, e que são a sua razão de existir, estão nessa prisão, em que se desenrola um duelo surdo entre o prisioneiro, em boa parte do tempo mantido vendado e solitário em sua cela, e seu carcereiro e torturador (Kim Bodnia) —cujo nome ele não sabe, mas apelidará de "Rosewater" (água de rosas) devido ao seu perfume.

Em sua estreia como diretor, Stewart mantém um estilo enxuto, sem floreios. Fecha o foco numa situação de medo e dominação, em que o guarda espanca e ameaça Bahari e procura levá-lo a crer que está completamente só e indefeso —o que não é verdade, porque sua prisão causou mobilização internacional, que certamente foi decisiva para sua liberação, após quatro meses detido sem processo formal, acusado vagamente de "espionagem" e "sionismo".

Quebram o realismo da história algumas sequências em que o jornalista "conversa" com dois fantasmas —seu pai (Haluk Bilginer) e sua irmã (Golfishteh Farahani), que também foram presos políticos em épocas diferentes, ele do xá Reza Pahlevi, ela do regime do aiatolá Khomeini. As aparições têm uma função narrativa, tornando-se um eloquente recurso para ilustrar o fortalecimento da resistência psicológica e política de Bahari.

Os momentos de humor que permeiam um filme, na essência, sério, estão justamente nos diálogos que revelam o ridículo das acusações e a própria ignorância do carcereiro —especialmente quando o prisioneiro o convence de que viveu mirabolantes aventuras sexuais.

Trailer legendado de "118 Dias"

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb