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"Férias Frustradas" retorna com humor mais pesado e afiado

Nayara Reynaud

Do Cineweb, em São Paulo

09/09/2015 16h36

"Férias Frustradas" (2015), que estreia nesta quinta (10), não é bem um remake do longa homônimo de 1983, estrelado por Chevy Chase e Beverly D'Angelo, que mostrava as desventuras da road trip da família Griswold atravessando os Estados Unidos para visitar o tão desejado parque Walley World.

Tecnicamente, é uma sequência da série de filmes originada pelo sucesso da comédia de Harold Ramis (1944-2014), roteirizada por outro ícone dos anos 1980, John Hughes (1950-2009), a partir de uma crônica escrita pelo próprio, na revista cômica "National Lampoon", na qual se inspirou em sua experiência de infância durante uma viagem para a Disneylândia.

O hit de três décadas atrás foi acompanhado por mais três produções para o cinema "Férias Frustradas II" (1985), também chamado "Loucas Aventuras de uma Família Americana na Europa"; "Férias Frustradas de Natal" (1989), um clássico natalino; e o posterior "Férias Frustradas em Las Vegas" (1997), uma para a televisão —"As Ridículas Férias de Eddie" (2003), centrada apenas no primo Eddie (Randy Quaid), e um curta on-line —"Hotel Hell Vacation" (2010).

O novo filme é uma sequência desnecessária em sua essência, que, na realidade, recicla o original e claramente faz piada disso. O então garoto Rusty Griswold, filho do louco casal Clark e Ellen, vividos por Chase e D´Angelo, é agora um homem de meia-idade, chefe de sua própria família.

Ao olhar as fotos de suas férias quando jovem, escancara-se para o público a esquizofrenia da mudança de fisionomia de uma imagem para outra, indo do rosto de Anthony Michael Hall, prestes a tornar-se o galã daquela década, à de um Johnny Galecki bem diferente do Leonard de "The Big Bang Theory", por exemplo, já que o adolescente e sua irmã Audrey foram interpretados por atores diferentes em cada longa.

Mas é quando Rusty, agora com Ed Helms à frente do papel, propõe reviver a viagem ao fictício Walley World na Califórnia, com sua mulher Debbie (Christina Applegate) e seus filhos, que a comédia mais se autodeprecia: um de seus garotos diz não conhecer as férias originais e o pai afirma que estas serão diferentes dando a justificativa mais lógica e estapafúrdia possível.

E, apesar de saber de todos os problemas que essas aventuras fora de Chicago trouxeram para sua família, ele acredita que esta escapada é o que seu casamento precisa para ser reaquecido e o que seus meninos necessitam para se acertarem, já que o caçula Kevin (Steele Stebbins, de "Inatividade Paranormal 2") zoa constantemente o primogênito James (Skyler Gisondo, de "Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba").

Além da repetição do destino e do objetivo da viagem, a homenagem às origens da franquia está em uma série de elementos. A introdução com as fotos constrangedoras ao som da canção tema "Holiday Road", do guitarrista do Fleetwood Mac, Lindsey Buckingham, que também é executada nos créditos finais, faz companhia a várias músicas oitentistas, com exceção de "Kiss From a Rose", balada de Seal de meados dos anos 90 que é uma "gag" à parte aqui.

O famoso carro modelo perua Truckster, embora não esquecido, dá lugar a um curioso veículo albanês, que se transforma em uma eficiente piada recorrente, assim como o seu hilário GPS sem falar na garota da Ferrari na pista ao lado.

Durante a jornada do novo clã Griswold, eles ainda encontram os velhos membros da família. Leslie Mann é subaproveitada na pele de Audrey, a irmã liberal hoje casada com o belo e conservador "homem do tempo" Stone Crandall, com o qual Chris Hemsworth (o "Thor") mostra uma inesperada veia cômica. Chevy e Beverly aparecem mais tarde reprisando seus icônicos papéis em uma participação pontual.

Enquanto isso, Helms equilibra o lado paterno de seu personagem tentando ser mais responsável, agindo de maneira tão lunática e pervertida como o antigo Clark, além de estar em sintonia com Applegate, de "Tudo Por um Furo" (2013). Mas são os passageiros do banco de trás que surpreendem na dinâmica de bullying entre o sensível James, que não consegue lidar com as investidas do diabólico Kevin, em um marcante trabalho de Gisondo e Stebbins.

Tanto o antigo quanto o recente "Férias Frustradas" têm a trama de um filme feito para a família, mas com piadas muito mais sujas do que o comum, o que lhes rendeu uma classificação indicativa para maiores de 17 anos nos Estados Unidos e de 16, no Brasil, sendo que o último está saindo com indicação para 14 anos somente.

A diferença é que a edição e as dublagens da TV aberta amenizaram o conteúdo da franquia que o público tem na memória lembre-se do viés racista da cena em St. Louis no primeiro longa ou os beijos do apresentador em uma adolescente no início do segundo, ao mesmo tempo que as comédias contemporâneas adquiriram um tom mais pesado.

O humor negro, usado na construção de Kevin ou do guia de rafting, funciona melhor do que a escatologia, muitas vezes de gosto duvidoso até no que concerne a arrancar risadas instantâneas. Os diretores e roteiristas John Francis Daley, ator da série "Bones" (2005-2014), e Jonathan M. Goldstein, parceiros de curtas e dos scripts de "Quero Matar Meu Chefe" (2011), entre outros, pecam ao matarem "gags" pelo simples posicionamento e enquadramento de câmera, como na prova da fraternidade e na piscina de águas quentes.

É possível que uma parcela do público ria mais da produção de 2015 do que da de trinta e tantos anos atrás, até porque a série como um todo está longe da excelência. Contudo, esta falha em seu retrato dos tempos atuais, que se resume mais à citação às redes sociais do que a comportamentos, enquanto o original servia como escárnio da era Reagan. No máximo, abraça a nostalgia vazia que marca a Hollywood de hoje. Mas, em uma franquia que satiriza a si mesma, talvez isso seja proposital.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb