Com fantasmas e melodrama, "A Colina Escarlate" relembra ruína do século 19
Em mais de um momento, durante "A Colina Escarlate", sua protagonista, Edith Cushing (Mia Wasikowska), diz que fantasmas sempre significam alguma coisa numa história. Certamente, esta é linha mestra do novo filme do mexicano Guillermo del Toro ("Círculo de Fogo"). A questão é descobrir quem são e o que representam os fantasmas que assombram essa personagem. O filme estreia nesta quinta (15).
Edith vive na Buffalo do século 19, aos cuidados do pai (Jim Beaver). De família rica, ela devota seu tempo a escrever um romance, no qual, segundo um editor que o analisa para publicação, falta uma história de amor. A moça, ao seu modo, se recusa a aceitar os papéis que a rígida sociedade da época lhe impõe. Numa das primeiras cenas, vemos uma aristocrata (Leslie Hope) americana que sonha em casar sua filha com um nobre inglês que acaba de chegar.
O que ela, nem ninguém sabe, é que o rapaz, Thomas Sharpe (Tom Hiddleston), está praticamente falido e tenta convencer o pai de Edith a investir na extração da poderosa argila vermelha que existe debaixo de sua propriedade na Inglaterra.
Del Toro, que assina o roteiro com Matthew Robbins, não perde muito tempo com essa trama nos EUA. São encontros e desencontros românticos —nos quais Edith se apaixona por Sharpe e desiste de um gentil médico, Alan McMichael (Charlie Hunnam)— para depois levar a ação para a Inglaterra.
"A Colina Escarlate" não esconde suas origens no romance gótico inglês, mas também Del Toro não nega suas raízes mexicanas —no epicentro da história, esconde-se uma trama de novela mexicana que faria a alegria de muita gente nas tardes do SBT.
Felizmente, os melodramas não são rasgados, mas estão em sintonia com as histórias de fantasma que tanto fascinam este diretor. Como todo bom fantasma do cinema, seus personagens só querem poder descansar em paz, mas, até conseguirem isso, terão de passar por tormentos e atormentar os vivos.
Depois da morte de seu pai e do casamento com Sharpe, Edith vai para a Inglaterra, morar na decadente mansão da família do marido, que, a cada dia, afunda mais naquela argila vermelha que o rapaz mencionou ao pai de sua mulher. Ela também terá de conviver com sua cunhada, a gélida Lucille (Jessica Chastain), cuja função é, basicamente, reprimir a todos.
Mais do que o cenário principal, a mansão emerge com uma personagem importante do filme. Com seus vários cômodos parcialmente destruídos —seu teto, por exemplo, está esburacado, e chove, neva, caem folhas constantemente no lobby da casa—, é a materialização da opressão, sublinhada pelo quadro da matriarca Sharpe que parece a todos olhar e julgar.
Voltando aos fantasmas —quem são essas pessoas que querem assustar essa jovem rica americana que está vivendo na Inglaterra? Ora, se ela e seu país são o futuro, o que faz nesse Império, que, tal qual a casa dos Sharpe, está ruindo? É o Velho Mundo sequestrando e sufocando o Novo, com medo do papel privilegiado que virá a perder num futuro próximo.
O subtema de "A Colina Escarlate" é aquilo que vemos —em oposição àquilo que optamos não ver—, e, não por acaso, a profissão de Alan é oftalmologista.
Aqui, Del Toro brinca com o jogo do olhar, com as ilusões de ótica, e fica sempre no terreno do delírio que pode ou não ser o sobrenatural. É algo que ele faz muito bem, e seus comentários históricos podem não ser tão explícitos como a ditadura espanhola no "Labirinto do Fauno", mas, certamente, este é um filme sobre um mundo em ruínas, sobre a nobreza da Inglaterra perdendo seu espaço para a nova classe de industriais americanos.
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