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ESTREIA-"Eu Estava Justamente Pensando em Você" viaja entre principais momentos de casal

14/10/2015 17h11

SÃO PAULO (Reuters) - Se em determinado momento de “Eu Estava Justamente Pensando em Você” (2014), uma imagem faz o público brasileiro recordar a canção “O Segundo Sol”, composta por Nando Reis e imortalizada por Cássia Eller, ao final da projeção os versos de “Across the Universe” se encaixarão melhor ao espírito do primeiro longa de Sam Esmail, criador da nova e bombada série “Mr. Robot” (2015), ainda inédita no Brasil.

O “amor eterno sem limites que brilha ao meu redor como um milhão de sóis” cantado por John Lennon é a tradução da ode e desconstrução ao amor, tão misterioso e onírico quanto o cosmos, realizada pelo diretor estreante. Assim, o público é apresentado a Dell (Justin Long) e Kimberly (Emmy Rossum) de forma não convencional, já que assiste a momentos específicos e determinantes da relação ioiô de seis anos do casal, sem uma ordem cronológica e até supondo a existência destas cenas em universos paralelos.

Claramente construído sob o ponto de vista do protagonista masculino – a bem da verdade, os dois são os únicos personagens do filme, que conta com breves participações, especialmente no primeiro segmento –, o longa é um estudo do relacionamento deles feito pela memória do (ex ou futuro) namorado, de forma minuciosa e caótica, assumindo abertamente seu aspecto de sonho, delírio ou algo parecido, sendo acentuado pela direção, pela fotografia de Eric Koretz e a direção de arte de Annie Spitz, além dos efeitos especiais.

O primeiro encontro, por ocasião da passagem de um cometa, sofre a forte influência do subtexto astronômico, e a paleta de cores entre o rosa e o azul ressalta a batalha entre o amor e a razão na mente de ambos. A preparação para o casamento de uma amiga em Paris, por sua vez, traz na frieza do quarto o sintoma da saúde da relação.

O reencontro forçado no trem se destaca pelo realce das cores, mesma vivacidade encontrada no início da ligação interestadual dos dois que acaba caindo na escuridão. O último encontro depois de um longo hiato, apesar da gelidez inicial, ganha contornos surreais quando elementos cósmicos e oníricos retornam e passam a atuar no ambiente.

O vai-e-vem do roteiro de Esmail entre estes diferentes momentos ou universos paralelos pode parecer complexo, mas o jovem cineasta tem o mérito de tornar isso palatável quando as tramas se tornam compreensíveis ao público, passados os primeiros vinte minutos, aproximadamente, de película.

Mesmo um tempo que não havia sido apresentado até então ainda pode ser decifrado pelo espectador com as deixas das falas ou com o espírito da cena. De qualquer modo, ele não escapa em duas ou três situações, da quebra de ritmo e do anticlímax, nem sempre bem-vindos.

Contudo, a edição de Franklin Peterson, quase como a dos videoclipes vistos na MTV, canal que atua quase como um personagem, talvez antagonista, aqui, exerce papel fundamental na fluidez desse movimento aleatório na linha do tempo do namoro deles, embora a trilha sonora de Daniel Hart junto aos ruídos sonoros e imagéticos soe exagerada em alguns pontos.

A verdade é que se trata de um filme extremamente verborrágico em seu texto e sua estética, que tenta impressionar demais, seja pelo discurso presente nos diálogos ou na mão pesada de Esmail e da esmerada fotografia. Com uma ação prestes a escapar da tela, as falas do casal alternam entre o clichê, sacadas geniais e momentos de sabedoria, apoiando-se em cima de longas digressões sobre o amor e citações pop-hipster-cult.

Cabe aos atores, ambos no melhor de sua forma, entregarem estes difíceis e rápidos diálogos de maneira crível, fazendo isso encantadoramente, embora, apesar de algumas leves risadas, a angústia amorosa dê mais o tom do longa. A autoproclamada personalidade narcisista de Dell é construída por Justin Long de modo surpreendente, se comparada com o tipo comum que marcou sua carreira. O misantropo e neurótico, às vezes pedante demais, outras com o charme dos alteragos de Woody Allen, se preocupa demais com o breve futuro, enquanto sua parceira quer apenas viver o presente.

A delicadeza e espírito livre de Kimberly, bem defendida por Emmy Rossum, agora noiva do diretor Sam, se manifestam de maneira alternada na garota, sendo visíveis nos penteados dela em cada momento. Ressente-se somente que a personagem, mesmo fugindo do clichê da “manic pixie dream girl” – co-protagonista feminina idealizada que, apesar de sua excentricidade cativante, serve narrativamente apenas como estímulo para o protagonista masculino alcançar seus objetivos ou ver a vida de outra maneira – no decorrer da trama, não seja tão desenvolvida quanto seu companheiro.

Embora adote um caminho antinaturalista e pela verborragia, em nenhum momento o drama deles parece artificial, sendo fácil a identificação com seu público. Tendo a forte presença na história do hino “It Must Have Been Love”, do Roxette, presente na trilha do clássico romance “Uma Linda Mulher” (1990), “Eu Estava Justamente Pensando em Você” aposta em uma maneira pós-moderna de falar sobre a efemeridade do amor, não como sentimento, mas como construção conjunta.

Talvez pelo caráter de sua distribuição, não estoure no circuito comercial, mas tem tudo para se juntar ao hall de “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (2004) e “(500) Dias Com Ela” (2009), como um daqueles filmes que os apaixonados, correspondidos ou não, juntos ou separados, vão descobrir em home video ou na TV e transformar em cult.

(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb