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Em "Mistress America", Greta Gerwig se destaca com personagem "sem noção"

18/11/2015 18h31

SÃO PAULO (Reuters) - A parceria entre o diretor Noah Baumbach e a atriz Greta Gerwig funcionou tão bem em ?Frances Ha? (2012), que agora rendeu um outro filme. ?Mistress America? ? assinado pela produtora brasileira RT Features ? é um passo além. No princípio pode parecer apenas que a dupla não saiu de sua zona de conforto, mas, na verdade, há outro tipo de olhar para uma nova personagem.

É uma daquelas comédias sofisticadas que se passam num cenário que agradaria a Woody Allen ? mas o viés de Baumbach é outro. Aqui temos a elite cultural e intelectual de Nova York, que pode não coincidir com a elite financeira, mas há uma circulação muito proveitosa entre as duas. Tracy (Lola Kirke) é a heroína que acaba de completar 18 anos e se muda para a cidade para estudar literatura. No entanto, é incapaz de socializar com seus novos colegas de uma das faculdades mais prestigiadas dos EUA.

A vida parece lhe sorrir quando conhece sua futura ?irmã?, Brooke (Greta) ? a mãe de Tracy está de casamento marcado com o pai da outra moça. A nova amiga é uma figura peculiar ? vive intensamente uma precoce crise da meia-idade e é incapaz de levar qualquer projeto até o final, embora tenha grandes ideias.

Curiosamente, o filme parece ser sobre essa garota com seus grandes e belos olhos, sorriso sempre aberto e cinismo sempre pronto. Mas não, o ponto de vista aqui é de Tracy - e uma geração separa as duas, embora Brooke pense que ?apesar dos 10, 12 anos que nos separam, somos da mesma geração?.

O foco central no roteiro assinado pelo diretor e sua estrela é a perda da ilusão. O filme poderia ser um romance do século XIX sobre o aprendizado de Tracy para ser adulta: o que fazer, e o que não fazer. A regra básica é evitar seguir os mesmos passos da nova irmã. Brooke é, no fundo, um desastre ambulante, e sua empolgação com tudo na vida é uma armadura contra sua solidão e perdas.

Muito ajuda a química entre as duas atrizes, e a direção em sintonia com as personagens ? afinal, o filme é um estudo de personagens e da relação que nasce em tempos de laços de afeto fugazes. Tracy, que vive num eterno bloqueio criativo, escreve um conto sobre Brooke. Aparentemente, a melhor coisa que já escreveu na vida. A outra, por sua vez, quer abrir um restaurante, desses que combinaria o ?melhor do capitalismo? com algo de ativismo. Eis aí boa parte da graça, e uma pista gigante para entender a personagem: há uma dose de ingenuidade dela, aquela típica de uma elite fechada em seu mundo, que desconhece como as coisas realmente funcionam do lado de fora.

No melhor momento do filme, Tracy, Brooke e outros dois personagens viajam a Connecticut para que a moça consiga fundos com um ex-namorado e sua atual mulher (ex-melhor amiga dela) para abrir o tal restaurante. Seguem cenas completamente teatrais em sua precisão nos diálogos cortantes e na fina ironia, e na mise-en-scène. É aí que Baumbach mostra o grau de sofisticação que seu cinema pode alcançar, em sua comédia de costumes que critica de forma sutil e sagaz o vazio em que toda uma geração pode ter caído. Resta, então, a esperança na figura de Tracy, e no seu futuro como escritora.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb